BELO HORIZONTE (04/10/10) - Os acidentados 58 quilômetros da estrada que ligam o Serro a Diamantina, no Alto Jequitinhonha, trecho da Estrada Real em Minas Gerais, estão sendo pavimentados, atendendo a uma reivindicação antiga da população. A pavimentação do trecho e outras obras de infraestrutura em andamento na região estão sendo acompanhadas de iniciativas que buscam a inserção das comunidades que ali vivem desde o século XVIII e a redução dos impactos ambientais em uma área de grande relevância ecológica.
O belo cenário, ao mesmo tempo, trás consigo os desafios de mobilizar e preparar os moradores dos municípios e distritos vizinhos e assegurar sustentabilidade às atividades turísticas que deverão aumentar quando a estrada estiver pronta.
Com investimentos de R$ 56 milhões, a pavimentação integra o Programa de Desenvolvimento Turístico (Prodetur/NE II), que cria condições para expansão e melhoria da qualidade de vida das populações por meio do turismo. Metade dos recursos vem de contrato com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a outra metade é contrapartida dos governos federal e estadual.
Preservação da fauna e flora
A obra, executada pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), teve início nos primeiros 10 quilômetros a partir do Serro. Foi feita a terraplanagem e a drenagem, com a construção de galerias e valas. A supressão vegetal, necessária em alguns pontos da obra, tem seguido um rigoroso critério no sentido de reduzir a área desmatada e garantir a preservação de espécies da flora e da fauna, como explica o engenheiro florestal da Enecon, Rafael Botelho Leite. A empresa é responsável pela supervisão civil e ambiental da obra.
“O desmate é criterioso e acompanhado por biólogos especializados em fauna e flora. Os pequenos animais encontrados são capturados e soltos quase que de imediato em uma área no interior da mata e as espécies da flora ameaçadas são levadas para o viveiro”, afirma Rafael Leite. O viveiro, que fica no canteiro de obras e possui 400 metros quadrados, funciona como abrigo temporário para espécies da flora nativa ameaçadas e resgatadas das áreas de supressão, entre elas bromélias, orquídeas, cactus e canela de ema.
Os primeiros quilômetros entre Serro e Milho Verde são cobertos por Mata Atlântica. Na região ocorre um ecossistema conhecido como floresta estacional decidual, presente em grandes altitudes e baixas temperaturas. De acordo com o Inventário Florestal de Minas Gerais de 2007, dos 121.400 ha do município do Serro, cerca de 25% ainda conservam a cobertura original de Mata Atlântica.
Comunidades históricas
Às margens da estrada estão quatro comunidades do século XVIII: Três Barras da Estrada Real, Milho Verde, São Gonçalo do Rio das Pedras (localidades de Serro) e Val, que pertence a Diamantina. Para garantir a tranquilidade dos moradores, preservar o patrimônio histórico e cultural e as características das comunidades, os trechos próximos aos núcleos urbanos receberão pavimento poliédrico em uma extensão de 400 metros e pista para caminhantes.
Três Barras da Estrada Real é a primeira das quatro comunidades. Cerca de quatro quilômetros a frente se encontra Milho Verde, um antigo posto de fronteira da Coroa Portuguesa, que controlava, e cobrava, pelo transporte do ouro e diamante encontrado na região. Logo na entrada de Milho Verde duas cachoeiras de fácil acesso, a do Carijó e do Lajeado. O projeto da estrada prevê a construção de estacionamentos para facilitar ainda mais o acesso e a implantação de dois mirantes nos pontos mais altos, entre Serro e Milho Verde. Outros três mirantes serão construídos entre Milho Verde e Diamantina.
Mais sete quilômetros e a próxima parada é São Gonçalo do Rio das Pedras, onde a comunidade foi atendida em sua reivindicação de alterar o trajeto, de forma que ele não coincidisse com o antigo calçamento na entrada do distrito. Um pequeno desvio será feito, o que vai assegurar a preservação do patrimônio histórico, com destaque para a Matriz de São Gonçalo.
Para Adail Sincurá Ribeiro, mais conhecido como Dil, comerciante e taxista em São Gonçalo, a estrada vai aumentar o movimento. “Vai melhorar o fluxo, esta estrada “judia” da gente, com chuva não dá para sair nem para o Serro nem para Diamantina”, explica. Para fazer uma viagem a Diamantina, Dil cobra R$ 120. “Mas poderia cobrar R$ 60, se fosse asfalto. Não tem carro que consiga aguentar esta estrada, o que ganho vai pra manutenção”, desabafa.
Vila Real no Vau
Seguindo por cerca de mais 10 quilômetros e já no município de Diamantina, chega-se a Vau. Nesse ponto, como o próprio nome diz, as águas ficam rasas e é fácil atravessar o rio Jequitinhonha. Da outra margem é possível avistar casas simples e setecentistas. Além de se beneficiar pela estrada pavimentada, Vau será a sede da primeira Vila Real, um posto de serviços e informações turísticas da região, que deverá ser entregue à comunidade até o final do ano. Os moradores participam do projeto, pintando as fachadas e fazendo pequenos consertos nas casas do entorno da Vila Real.
A superintendente de Estruturas do Turismo e coordenadora do Projeto Vila da Setur, Simone Araújo, informou que o investimento de R$ 250 mil da Setur prevê lanchonete, loja de artesanato, banheiros com chuveiros para atender aos caminhantes e espaço com acesso à internet. “Aqui o turista terá a oportunidade de vivenciar a culinária e a cultura mineira. Um fogão à lenha e um forno de barro serão usados por quitandeiras da região durante todo o dia, permitindo ao visitante acompanhar a produção de doces, broas e biscoitos e aprender receitas famosas da região”, explica Simone.
A gestão da Vila Real será da própria comunidade, que contará, inicialmente, com o apoio da Prefeitura de Diamantina, da Associação do Circuito dos Diamantes e da Setur até que o projeto se sustente. O Sebrae já iniciou os trabalhos com a comunidade de sensibilização e cultura da cooperação. Até julho de 2011, quando as obras da estrada deverão estar concluídas, serão oferecidos à comunidade vários cursos de capacitação associados ao turismo.
Quem passar por Vau verá várias placas educativas, resultado de oficinas realizadas por meio do Projeto de Turismo em Comunidades Rurais, uma parceria entre o Centro de Vocação Tecnológica de Diamantina, da Secretaria de Estado de Ciência Tecnologia e Ensino Superior (Sectes) e a Regional da Emater. O projeto, presente em duas outras comunidades, tem o objetivo de incluir comunidades no processo turístico que se desenha para Diamantina, enquanto sede do Polo Turístico do Vale do Jequitinhonha.
“Procuramos fazer com que as pessoas valorizem seus recursos, sejam ambientais, históricos ou culturais”, esclarece a coordenadora regional de turismo rural da Emater, Claudete Maria Souza e Costa. As ações, definidas com a participação da comunidade, incluem apicultura, implantação de hortas e pomares, atividades turísticas, abastecimento de água e construção de fossas sépticas, para evitar o lançamento de esgotos diretamente no rio.
Destino final
Restam ainda 26 quilômetros até Diamantina, trajeto pontuado pelos marcos da Estrada Real. Após percorrer os campos nas partes mais elevadas, o antigo Arraial do Tejuco é precedido de belas formações rochosas.
A descrição do antigo arraial do Tejuco feita por Spix e Martius ainda está atual: “Parece que a natureza escolheu para a região originária dessas pedras preciosas, os mais esplêndidos campos, e os guarneceu com as mais lindas flores. Tudo que havíamos visto de mais belo e soberbo em paisagens, parecia incomparavelmente inferior diante do encanto que se oferecia aos nossos olhos admirados. Todo o Distrito Diamantino parece uma chácara artisticamente disposta, a cuja alternativa de românticos cenários alpestres, de montes e vales, se aliam mimosas paisagens de feição idílica.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário