Autor: Wellington Gomes
O calçamento de Diamantina é um tema que volta e meia está nas coversas e nos pensamentos das pessoas que moram ou passeiam pela cidade, ainda mais neste tempo chuvoso; é também um assunto que deveria ser tratado de forma mais aprofundada pela sociedade antes que o rolo compressor da exclusão não deixe mais sinais da existência de algumas minorias.
Afinal, quando começa a história da nossa cidade? O que aconteceu ontem pode já ser considerado histórico?
Recentemente aconteceu um debate intenso sobre o assunto aqui em nossa cidade, que desdobrou em várias conversas, entre diversas pessoas e resultou na constatação que sabemos muito pouco sobre o tema. Somos quase alienados...
Neste ponto do texto (e do contexto) afirmo:
· Não se tem nenhum impedimento legal para que a pavimentação do centro histórico de Diamantina seja restaurada ou mesmo modificada.
· Não se tem justificativa porque a prefeitura não cumpre a legislação federal e não tem nenhum prédio da administração com as mínimas condições de acessibilidade para as pessoas com redução de mobilidade.
· Não temos em Diamantina um grau de maturidade suficiente da população para atendermos os direitos individuais de cidadania plena.
· As soluções para a sociedade Diamantinense, principalmente no que concerne à acessibilidade, são feitas sem participação dos cidadãos. Feitas para o outro na suposição do que é melhor para ele.
· É urgente a mobilização populacional, antes que seja tarde demais!
Como cheguei a estas conclusões?
No finalzinho de outubro (28 e 29) aconteceu um fantástico evento em Diamantina: Seminário de educação inclusiva da Universidade Federal. Como a educação inclusiva é um tema amplo, amplo também foi o debate. Foi simplesmente espetacular principalmente por trazer o tema à tona, numa cidade tão excludente como a nossa.
Aprendi muito!
Destaco que foi um evento gratuito e que o auditório do teatro não teve lotação máxima nenhum dia! No máximo uns 50%.
Entre fatos, versões e boatos percebi que se nós, cidadãos, não nos mobilizarmos nada mudará nas bandas do Tijuco. Como fizeram recentemente os adeptos do esporte, com uma manifestação pelas ruas da cidade. E como fazem outras cidades como Ouro Preto que realizou uma audiência pública na Câmara Municipal sobre o tema (Clique aqui).
Por aqui tivemos vários palestrantes interessantíssimos. Primeiro obviamente foi a “Sessão Solene de Abertura” (pena que o Padre Prefeito não pôde ficar para participar dos debates); depois uma excelente conferência de abertura da professora Elizabet Sá (deficiente visual e especialista nesta área); a próxima conferência (“Educação Inclusiva no Contexto Universitário”) foi harmoniosamente conduzida pela professora Rosa Maria (PUC-MG) seguida pelo didático e esclarecedor analista do Ministério Público Estadual (professor Daniel, psicólogo, advogado e especialista em educação especial) com o tema “Legislação e Inclusão”.
O segundo dia foi dedicado às mesas redondas: “Quebra de barreiras arquitetônicas para a inclusão nas IFES”, “Experiências na Educação Inclusiva” e “Patrimônio Histórico e Acessibilidade”.
E é nesta última que quero me ater, onde o debate foi mais acalorado e saímos todos da capistrana e caímos na roda!
A primeira detecção é que o tema inclusão não faz parte da prioridade, da agenda dos órgãos governamentais presentes em nossa cidade. Apesar disso vejo como um início, um sinal dos novos tempos, só pela presença de diversos representantes institucionais: da Prefeitura Municipal de Diamantina (PMD), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), do Ministério Público Estadual (MPE) e um professor de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Além de uma plateia bastante heterogênea e participativa!
O evento ocorreu na mais nova obra da cidade: o cine-teatro Santa Izabel. Lindo, sem dúvida o mais acessível prédio de Diamantina para as pessoas com limitação da locomoção! Quase perfeito, a não ser por ter um viés incrível de discriminação (que pode e deverá ser corrigido). O indivíduo com limitação de mobilidade poderá acessar o interior do edifício pelos fundos, até ai tudo bem, mesmo porque ficou uma área muito bem cuidada e estamos aprendendo a fazer inclusão. Mas o grave é que este indivíduo pode acessar somente como espectador, não se pensou nele como ator, artista, palestrante, agente. Pensei se recebêssemos em nossa cidade uma companhia de dança em cadeira de rodas. O camarim não é acessível! Alguém já ouviu falar em desenho universal? Procuremos saber senhores gestores, engenheiros, arquitetos,...
Vamos seguindo, pois aqueles que ainda não desistiram da leitura devem estar se perguntando: e o calçamento das ruas? Cadê a capistrana?
Eu preveni: o tema é espinhoso.
Após as exposições dos palestrantes iniciaram-se as perguntas e o debate. O melhor da festa!
Perguntei ao arquiteto, representante da prefeitura, quantos prédios da administração municipal dão condições mínimas de acessibilidade arquitetônica? Resposta: nenhuma! Por isso lamentei anteriormente o prefeito (e também o vereador) ter permanecido somente para a abertura do evento. Mas estavam bravamente representados pelo cordial arquiteto, mesmo no dia da sua folga (dia do servidor público).
O representante do IPHAN disse coisas muito interessantes quando questionado por uma cidadã da plateia, que usa cadeira rodas para locomover-se em Diamantina (quando pode é claro!). Ela perguntou para os integrantes da mesa, mais ou menos assim: “muito bem, vocês estão debatendo sobre acessibilidade, mas gostaria de informações mais concretas como, por exemplo, quando poderei andar com minha cadeira pelas ruas de Diamantina?”. Em outras palavras: onde está enterrado o segredo (ou a cabeça de boi) que impede que o calçamento da cidade seja modificado ou reparado?
Beco sem saída!
Sinuca de bico!
Resumidamente, do IPHAN ela ouviu (e nós estatelamos as orelhas) que não existe nenhum impedimento para que intervenções no calçamento de Diamantina sejam executadas. Também e incrivelmente não existe nenhuma solicitação no órgão (desde a instalação do IPHAN na cidade!) para avaliação de projeto de intervenções no calçamento da cidade.
Já da prefeitura a tônica para ela foi que a população deve se organizar e do MPE que o órgão está à disposição da comunidade e deve ser acionado, provocado para que ações sejam encaminhadas.
Acho que foi pouco pra ela e para nós, mas será muito se usarmos sabiamente o momento para que este encontro conduza aos caminhos do debate.
“Pra mim, só comigo!”. Esta foi uma das melhores frases que ouvi neste dia. Chega de assistencialismo, de tentativas de igualdade revestida de favorecimento, esmola, privilégios.
Cabe aqui a palavra APODERAMENTO! O apoderamento do tema e das ações pelos cidadãos com necessidades especiais, idosos, crianças, deficientes físicos,...
Quem sabe podemos culminar na criação de um conselho municipal de acessibilidade e inclusão?
E a capistrana?
É mesmo!
Mas antes disso vamos tomar, por exemplo, uma recente reforma em um banco bem central da cidade. Quem viu os funcionários trabalhando dedicadamente no período noturno pode imaginar os custos da operação. Bom, mas se sou idoso e tenho imensa dificuldade ao locomover? O banco está lindo, dizem que teremos elevador para o segundo andar e caixas acessíveis no térreo. Mas vamos lembrar que para chegar ao térreo temos dois grandes degraus. Uma rampa não daria certo, nem mesmo removível. Agressiva e ineficaz. Porque não pensamos antes (como sugerido pelo professor Marcelo) em uma alternativa de entrada para todos, pelos fundos, com rampa, corrimão. A frente, a fachada do lindo prédio histórico, não seria mais para acesso dos clientes e funcionários, seria de portas falsas somente para compor o cartão postal para as fotos dos turistas e amantes da arquitetura histórica.
Nem vou falar aqui das praças da cidade. Obras recentes e historicamente excludentes!
Ufa! Afinal a capistrana.
Uma solução para o calçamento da cidade seria uma reforma ampla e planejada do calçamento com delimitação precisa dos tipos de cobertura. No centro histórico pode-se pensar em restaurar o piso com as pedras que aí estão, reservando uma faixa lateral com piso específico para a locomoção das pessoas (a pé, em suas cadeiras de rodas, com os carrinhos de bebês,...). E vamos aproveitar que alguns hábeis calceteiros ainda estão entre nós, antes que o segredo da arte do calçamento das nossas ruas morram com eles. A capistrana que era no meio (pelo que sei, para que as moças passeassem tranquilas pelas ruas), depois virou duas (pelo que sei para melhorar o tráfego dos veículos) e passaria a ser na lateral, para que todos nós desfrutássemos mais do passeio pelas antigas e bem cuidadas ruas de Diamantina.
Antes da utopia de uma cidade totalmente inclusiva vamos para uma cidade minimamente inclusiva. Uma rota turística de acesso universal dentro da cidade de Diamantina! Comecemos por uma rua! Vamos falar de inclusão aqui e agora para que um dia faça parte naturalmente de nossa cidade e não precisemos mais tocar no assunto.