sexta-feira, 10 de julho de 2015

Passeio poético por Milho Verde


Autor: Martins Morais

Ei, filhos do Massangano, que sobem o morro para chegar em Milho Verde,
Para depositar, no solo sagrado um irmão de cor, de sangue, de dor.

Subam cantando suas milongas, seus trejeitos africanos de outrora.
Todos os negros em cantoria triste a carregar o irmão, filho do tronco;

Abram as bocas e deixe sair o misterioso e agonizante canto, tal qual a mãe-da-lua o faz;
Deixe o filho de Deus subir o morro no lombo dos estimáveis, para encontrar a luz eterna.

Venham amigos, irmãos, tragam o defunto para aqui repousar tranqüilo
Ao lado de sua igreja Rosário, da Mãe dos Negros, de Nossa Senhora Pura
À sombra dos coqueiros tortos e finos, que balançam como se estivessem a cair;

Venham em paz, carreguem-no num bambu verde e amarelo,
Enrole-o em um cobertor São Vicente e o dependure neste pêndulo sagrado;

Um irmão segura de um lado, outro irmão do outro,
Outros dão no couro do morto
Para maneirar a carga, para tirar o mal
do irmão negro, do fulano de tal.

E subam cantando por entre estas trilhas do Baú e Ausente;
Atravessem o pai Massangano que está com águas no joelho,

Bebam suas pingas, a cachaça do moribundo, cantem ainda mais.
Joguem o resto do copo para batizar a terra e levar a alma do morto,
Elevar a alma deste ser sofrido, com sangue da África correndo na veia
Com suor de chibatadas correndo nos poros do tempo que não se apaga

Subam o morro da Barra da cega, depois de passar pela Cova d´anta,
Passem pelo Beco Escuro. Saiam de frente a Matriz dos Prazeres e continuem.

Continuem a cantoria. Vão passar pelo Beco do Chafariz porque corta caminho
Então subam em frente a venda do Leopoldo para sair no Largo do Rosário.

Depositem o morto no necrotério velho, na cama de cimento, até o vereador
Trazer do Serro o caixão roxo, que nem cabe direito no seu amarelo Jeep.

Tragam mais cana, amigos, tomem mais pinga em honra ao morto.
Embebedam-se, pois hoje é dia de tristeza, mas os irmãos não devem chorar.

Então cantem mais alto, dêem o último adeus ao amigo, ao descendente de sofredor,
Ao garimpeiro do Massangano, ao vizinho do Baú e Ausente, ao Catopé, ao Marujo,
Ao Vissungo, ao Filho De Nossa Senhora do Rosário, ao Senhor tocador de canjá, de caixa.

Digam adeus e deixe sua alma partir, deixe-a habitar o Reino Eterno, não lamente.

Joguem três punhadinhos de terra na cova e o restinho da cachaça do copo;

Ouçam o som oco da terra que cai ao caixão.
O som do triste e lamuriante fim que a todos chegará;
Seja branco, preto, pardo, índio, amarelo, rico, pobre, vereador, senador ou presidente.

O adeus a um ente, a um querido, a um dançante, tem que ser diferente,
E a diferença está nas mãos, olhar e amor daqueles que ao lado está para despedir,
Para ajudar a desembaraçar o caminho, a tirar a embira para amarrar a solidão fora de casa,
A entoar o banto, a fazer serenar o céu com os respingos de lágrimas tristes no dia de morte.

Desta vez é para sempre

Um último adeus.


Não ficará para semente.

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