Autor: Gonzalo Monterroso
Dezembro chegou e mais um governo municipal atreve-se a renovar suas promessas de impor limites para o próximo carnaval. Infelizmente, os fatos têm demonstrado que depois tudo acontece de forma bastante diferente. Essa repetida lista de infrações, que deveriam ser punidas automaticamente em virtude de leis aprovadas e códigos de postura, não passa de cenário a uma ilusória retórica de fachada moralista, uma coleção de mentiras insustentáveis, condenada a desabar sem pudor nem remorso perante o poder da bebida, das drogas e da diversão irrestrita. Elas ditam suas próprias leis de mercado em Diamantina, com tácita aprovação das autoridades, longe de qualquer fiscalização anunciada e prometida. Seria melhor que as autoridades tentassem, sequer uma vez, evitar temerárias declarações e, aí sim, agissem com decisão e responsabilidade.
Não por acaso todos os planos de ação apresentados para normatizar o carnaval foram propositalmente ignorados, mentidos, burlados, boicotados e arquivados sem dissimulação. O cardápio dessa falsa legalidade é farto e conhecido, mas vale a pena lembrar: guias de carnaval e posturas a serem cumpridas, dicas para o folião, dicas policiais para o morador ficar em casa trancado e evitar brigas (pasmem!), providências para combater a poluição sonora, lei municipal sobre emissão e controle de ruídos, sons e vibrações provenientes de fontes fixas ou móveis, seminários de carnaval, reuniões para promover ações que protejam os moradores nos grandes eventos da cidade, pesquisas para avaliar o impacto ambiental no centro histórico, debate e campanha de proteção ao morador, disque barulho, esconde-esconde do decibelímetro, cadastramento de imóveis de aluguel temporário (selo “Casa Legal”) visando limitar a ocupação de repúblicas e residências, fiscalização específica para liberação de alvará para casas de show em áreas densamente povoadas, liberação automática de alvarás de última hora (não publicado), nomeação de comissões de cultura meramente políticas e decorativas, criação da inócua Comissão do Carnaval (servis aos parceiros e organizadores); enfim, nada de utilidade na hora de proteger e garantir os direitos do morador, do patrimônio público e privado, das minorias e, em geral, dos incomodados que optam por fugir da cidade para evitar a consabida barbárie e agressões que imperam no carnaval de Diamantina. Por se toda essa letra morta não fosse bastante, existe a Lei de Perturbação do Trabalho ou do Sossego Alheio, lei federal de contravenção penal que vigora o ano todo, exceto em Diamantina. Agora é só criar o “Estatuto do Folião” para proteger seus direitos à diversão ao preço que for.
Outras cidades históricas, com menor dose de hipocrisia, maior talento e reflexão, têm conquistado um carnaval civilizado e de qualidade, limitando inclusive o horário da festa e punindo com firmeza e sem covardia a mania de agredir os ouvidos, os bens e a vida dos outros. Enquanto isso, o que vemos no carnaval de Diamantina é um policiamento conivente e descompromissado para conter o barulho ilegal, premiando os incivilizados com a inculpabilidade e a desmotivação para aplicar a lei sem receio. A inação policial castiga, sim, os moradores indefesos, que ficam sem ter a quem recorrer quando precisam da autoridade para salvaguardar seus direitos. Pelo contrário, quando a punição se impõe necessária, eles terminam sendo atormentados pela indiferença policial e burlados com suas conhecidas e irritantes argúcias burocráticas: falta de viaturas, falta de agentes, morosidade para apreender equipes de som flagradas em claríssima atitude criminosa. Teremos, sim, mais viaturas, mais agentes e até tropa de choque quando desembarcarem por aqui governadores e políticos para receber suas honrosas medalhas. No entanto, nada dessa prevenção parece justificar-se perante tamanha invasão de vândalos descomedidos que chegam para ganhar sua impudica medalha da embriaguez burlando as leis, profanando e pondo em risco o patrimônio construído e desrespeitando os moradores. Apesar dos investimentos declarados, as autoridades não conseguem coibir os abusos, nem a polícia sabe lidar com o infrator que desacata sua autoridade. E para piorar, não há consenso na população para reclamar de nada. Quando as denúncias se sobrepõem à desídia e vão parar na justiça, a sentença condiz com a verdadeira, única e poderosa realidade: carnaval é carnaval e nada deve mudar esse jeito de se divertir, de lucrar ou simplesmente de resistir. A suculenta fatia do bolo fica no bolso dos capitães da diversão abusada e irresponsável, para que os mentores da cultura rasteira e mercantilista possam se gabar, mais uma vez, de ter organizado um carnaval legal e bem sucedido.
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