segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Trilha Verde da Maria Fumaça

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Entre 1910 e 1914 foi construído antigo ramal ferroviário ligando Diamantina a Corinto, desativado em 1973. Obra épica de engenharia, ligava a antiga região das minas, no topo do Espinhaço, aos gerais, ou sertão – palco da obra de Guimarães Rosa. Na época, a república ainda engatinhava. Sonhos e projetos desenvolvimentistas (“Ordem e Progresso!”) deveriam diferenciá-la da estática estrutura social da monarquia do século anterior. Numa época em que automóveis eram brinquedos de luxo e quase não havia caminhões e estradas de rodagem, o trem de ferro foi arauto do progresso. Cidades não servidas por trem eram condenadas ao atraso. Além do transporte da produção local e insumos, ao longo da linha férrea corria o telégrafo, meio mais rápido para a transmissão de notícias. Observe-se que o ofício de telegrafista foi início de carreira para JK, maior estadista do século…

Pontilhão Monjolos (Fotos do Acervo – Caminhos da Serra)Em que pese sua importância histórica, o ramal foi desativado pelo governo militar, sem consulta às comunidades locais. Trilhos e dormentes vendidos, restou o leito. Súbita e enorme decadência desabou sobre as localidades à beira da ferrovia. Contudo, o abandono ajudou a preservar a belíssima região ao longo do trajeto. Hoje, a exemplo do que ocorre em países europeus, está em curso excelente projeto de preservação e desenvolvimento turístico do trecho, liderada pela ONG Caminhos da Serra, apoiada pelas comunidades locais e poder público. A via será transformada na primeira estrada-parque ferroviária do Brasil. As antigas estações, hoje tombadas, servirão como museus e pontos de apoio aos visitantes.

Seguramente, é um dos roteiros mais bonitos de Minas, aberto a caminhantes, ciclistas e cavaleiros. Vale a pena iniciar o passeio a uns 10 km de Diamantina, próximo ao manancial Pau-de-Fruta, a 1300 m de altitude. Em suave aclive, o trilho passa por uma solitária araucária (eram plantadas por bandeirantes e tropeiros, para marcar os caminhos e dar-lhes alimento). Logo a seguir, vê-se o pico do Itambé à frente e à esquerda, quase sempre encoberto pela bruma matinal. Chega-se então ao ponto ferroviário mais alto da história brasileira, a 1420 m de altitude. Daí, suavemente se chega a Bandeirinhas, onde a trilha corta o asfalto ao lado de uma capelinha colonial, a 10 km do início do trajeto.

Logo a seguir, começa o suave declive que nos conduz ao vale do São Francisco. Pequenos cortes nas pedras surgem ladeando o visitante, e à frente se contorna erosão na trilha, causada por um garimpo desativado. Com pouco mais, já se descortina, à direita, imensa curva contida pela antiga ferrovia: vale do Pasmar, que honra o nome, para quem quiser explorar um pouco mais a região, com imensos blocos de pedra, magníficas plantas, paisagens e pinturas rupestres. Boa sugestão é seguir até Barão do Guaicuí, a 10 km donde se cruzou o asfalto, tomar um banho no riacho e pernoitar. No dia seguinte, contratar guia local para explorar o vale a 1300 m de altitude, com poço para banho, e retornar a Barão. O povoado abriga a maior estação ferroviária do percurso, em vias de se tornar centro de apoio ao turista.

Cachoeira Barão - (Fotos do Acervo – Caminhos da Serra)Continuando a descer o trilho, a 1 km abaixo do povoado vê-se, à direita, a volumosa cachoeira do Barão. Com mais uns 2 ou 3 km, pode-se passar em um pontilhão de ferro (equilibrando) ou sob o mesmo (à direita, atravessando o córrego). Entra-se aí num trecho de pedras e vegetação marcantes, misto de campo rupestre e cerrado. Passa-se sobre algumas galerias cruzando riachos, construídas com pedras entalhadas. Vale notar que tudo aqui foi feito com dinamite, mas sem caminhões ou escavadeiras. Ou seja: com carroças para transporte de terra.

A uns 6 km de Barão, há uma mangueira ao lado de uma casinha, à direita da trilha. Vale a pena um pequeno desvio em sua direção. Passando por ela, à direita do caminhante, segue-se o trilho rumo à cachoeira do Lúcio, com sua praia de areia branca e o poço generoso. Retornando ao caminho do trem, logo vemos um grupo de copaíbas (paus-d’óleo) à esquerda. À nossa direita, surgem as águas cor de chá e as praias do rio Pardinho. Havendo tempo, vale explorá-las. Continuando à frente, há um trecho de uns 100 metros, frequentemente alagado. Rompendo-o, quando menos se espera, surge à frente uma das paisagens mais monumentais da trilha: um canyon atravessado por enorme pontilhão secular, sobre as águas tempestuosas do Pardinho, 20 metros abaixo. Estamos a 8 km de Barão. Tire fotos, mas não tente atravessar por aí. Desça na trilha à esquerda, e esbalde-se na praia do rio logo abaixo.

Morro Redondo (Fotos do Acervo – Caminhos da Serra)Depois de merecidos descanso e banho, pé na estrada: serão mais uns 8 km até Mendes. Começa-se margeando o rio, e alguns minutos à frente já se vêem vellozias, sempre-vivas e xyrias, bem típicas dos campos rupestres do Espinhaço: estamos a uns 1150 m de altitude, apesar de margearmos um rio. À frente, à direita, na encosta de colinas de pedra, há uma lagoa temporária. Pouco depois a via nos mostra, numa curva à esquerda, um bonito pontilhão de ferro. Pode-se atravessá-lo andando de lado, com as mãos na guarda e os pés nas sólidas vigas. Ou então, vadear o riacho abaixo. A meia dúzia de casinhas do povoado de Mendes surge logo a seguir. Olhando-se para trás, vê-se o Morro Redondo, ponto mais alto do município de Gouveia, a 1550 sobre o mar. Numa das casinhas, uma surpresa: o simpático morador vende cerveja e refrigerante gelados. É desfeita sair dali sem um dedo de prosa, acompanhado por um cafezinho coado na hora, cortesia da casa… Mendes é um bom lugar para pernoite. Contudo, em função do isolamento, faz-se necessário ajuste prévio com os moradores, para abrigo de visitantes.

Fonte: Circuito dos Diamantes

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