Autor: Gonzalo Monterroso
O arcebispo e o cônego andam procurando lugar para estacionar. Parece lógico que o pároco precise de uma vaga. Eu também preciso; também vivo no centro histórico e perdi minha vaga pública. Ele é jovem e mora na frente do seu escritório paroquial; eu sou mais velho e ainda não possuo catedral própria, mas já estou na posse da modesta credencial de idoso para estacionar (vemos que a Guarda Municipal não se incomoda quando vaga de idoso é ocupada por qualquer outro veículo). O arcebispo tem seus privilégios: uma garagem exclusiva no seu palácio. O Iphan não permitiria que eu fizesse a minha no recatado palácio sem brasões onde moro, que nem vaga para encostar uma bicicleta tem. No entanto, disponibilizamos generosas vagas para quaisquer servidores públicos que mereçam as duvidosas prerrogativas de ter “veículo oficial” para se locomover. Se a cidade deve ser um bem comum, então que haja vaga exclusiva só para emergências: ambulância, viatura policial e corpo de bombeiros. Nem prefeito municipal mereceria nem pontífice romano. Se o papa vier a Diamantina não teremos vaga para o papa-móvel. Duvido que vá precisar. Quando o cardeal Jorge Bergoglio era arcebispo de Buenos Aires, ele viajava de metrô ou de coletivo; e não morava num palácio, sua residência era um singelo apartamento, não tão perto assim da catedral de Plaza de Mayo como para evitar os irritantes engarrafamentos portenhos. Aliás, nunca pregou que as igrejas fossem suas, nem mandou fechar as portas aos filisteus por questões apostólicas tão triviais. Mas tamanho atropelamento dos privilegiados pode ser apenas o início da contra-reforma religiosa: será que vão proibir as procissões nas ruas tijucanas se não disponibilizarem vagas exclusivas para os servos de Deus? Se o arcebispo e o pároco quiserem estacionar veículos oficiais na porta de seus feudos, que possam então comprar seu talão de estacionamento rotativo. Deus lhes pague.
Nenhum comentário:
Postar um comentário