César Lacerda nasceu no interior de Minas Gerais - terra onde o peso da tradição colonial brasileira se mistura com a leveza da vida sem pressa, acarinhada pelo sotaque e pela culinária de alto refinamento popular, afeto sem afetação. Sua música carrega também esse cuidado barroco, esse sabor próprio, uma estranheza sedutora que chama ao mesmo tempo para a atenção silenciosa e para o cantar junto. Seu disco de estreia, um dos mais interessantes lançados no Brasil em 2013, anuncia uma resposta em seu título: “Porquê da voz”. Mas sem fechar conclusões. A resposta que o interessa é sempre a mais simples e a mais ampla. Como ele faz nesta entrevista, ao se referir ao momento musical brasileiro contemporâneo: “A música brasileira feita hoje nada mais é do que a música brasileira feita hoje”.
Por que você começou a tocar? E a compor? Mirava em que?
Nasci em Diamantina, no interior de Minas Gerais, em 1987. Minha mãe, Maria Eunice Ribeiro de Lacerda, pianista, à época diretora do Conservatório de Música da cidade, iniciava o seu processo de aposentadoria e também o seu projeto de abrir uma escola de música na cidade destinada ao ensino de crianças. Não obstante, toda a cidade vivia um ambiente de grande musicalidade com suas bandas marciais, seus grupos de seresta e choro, os grupos de câmara, enfim… Além disso, em casa havia a influência de música ultrapopular vinda do meu pai; sambas, modas de viola, música romântica. Cresci neste ambiente. Estudei, desde muito criança, vários instrumentos. E mais do que isso, estive em contacto com os sons das coisas, das pessoas, das culturas. A música nasceu para mim como um fato, um objeto de necessidade em minha vida muito antes de eu poder imaginar escolhê-la ou não. Muito cedo, ela se manifestou como companheira, e mais profundamente, fonte de expressão. Creio que a vontade de compor, ou mais propriamente o gesto da composição tenha nascido na adolescência, quando eu e minha família já vivíamos em Belo Horizonte, capital do estado. Lembro de ter feito as primeiras peças musicais, os primeiros ajuntamentos de ideias e motivos ao piano. Só mesmo quando me mudei para o Rio de Janeiro, em 2007, decidi usar o violão para compor. Portanto, a composição foi, e é ainda hoje, um misto de formalização da expressão musical com o processo lúdico de ajuntamento dos materiais diversos, das ideais absurdas, dos sons impossíveis. Indo mais além, a composição é o traço único do movimento da voz vibrando no espaço. Ou seja, composição para mim é sempre “voz”. Uma forma de parecer ser, ou de desejar ser único no mundo. E no momento em que conquisto essa unidade seduzo o diálogo com o universal.
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