Deixei com pesar a região de Diamantina... socialmente falando, é o lugar mais simpático do Brasil, à luz da minha experiência."
Você conhece Senhor X? Ao ler abaixo o seu currículo, fico me perguntando: por que não há em Diamantina nenhuma referência sobre sua passagem pela cidade? Nada: nenhuma placa, busto, nome de rua, painel, ilustração ou qulaquer outro tipo registro ou informação sobre essa fantástica figura e o seu convívio no Arraial do Tijuco.
“Pois bem, vamos à um rápido "currículo" dos conhecimentos e aventuras deste viajante global: Senhor X foi um escritor, tradutor, linguista, geógrafo, poeta, antropólogo, arqueólogo, sexólogo, orientalista, erudito, espadachim, explorador, agente secreto, diplomata britânico, etc, etc, e muitos etc. Ainda criança, filho de um capitão inglês, por motivos de saúde deixou a Inglaterra e foi morar entre França e Itália. Logo cedo aprendeu a falar francês, italiano, dialetos locais, grego, latim e romeno. Posteriormente o português (sua esposa Isabel Arundel também era fluente em português). Senhor X e Isabel traduziram para o inglês várias obras brasileiras, (especialmente as de José de Alencar), além do que, Senhor X , antes mesmo de conhecer o Brasil, já tinha traduzido para o idioma de Shakespeare a obra Os Lusíadas, de Camões. Camões era sim, um dos grandes ídolos do inglês, de tanto que o admirava e pelo profundo conhecimento de toda a vida e obra do gigante português. Senhor X na juventude acabou expulso de Oxford, segundo ele, os seus professores eram todos ingleses medíocres e ignorantes. Continuando sua vida, Senhor X foi prestar serviço militar na India, lá aprendeu todos os dialetos e linguas do subcontinente que teve oportunidade. Aprendeu também o persa, o árabe e quase todas as suas variações. Ao todo, Senhor X falava fluentemente 39 linguas e dezenas de dialetos (inclusive o Tupi). Senhor X ainda tinha a capacidade de se expressar nessas línguas sem praticamente nenhum sotaque, o que ao lado de sua aparência "cigana" , foi de muita valia ao Império Britânico, já que ele podia se misturar com facilidade em qualquer grupo estrangeiro. De tanto estudar o Islamismo, o capitão que era protestante e casado em segredo com uma católica, acabou por se converter, sem assumir publicamente ou sequer à própria esposa, à religião de Maomé, (corrente sufista). É de Senhor X , a primeira (e melhor) tradução de As mil e uma Noites diretamente para o inglês, português e outros idiomas, (ele não apenas traduziu, ele compilou as histórias árabes espalhadas em diversos escritos e transmitidas oralmente por contadores de histórias), traduziu também o Kama Sutra, e para vende-lo na Inglaterra vitoriana e escapar da censura, acabou por criar uma sociedade, onde ele vendia a "assinatura" dos capítulos traduzidos.
Além da tradução, o erudito inglês em suas "notas do tradutor" explicava e contextualizava todo o texto original para os leitores ocidentais.
Senhor X também foi fundamental no entendimento da vida sexual dos povos conquistados pelos britânicos. Sem rodeios ou pudores, o eminente orientalista descrevia as preferências e costumes sexuais dos povos do oriente para a puritana Inglaterra. Um desses relatos sobre um bordel homossexual indiano frequentado por soldados ingleses causou inumeros problemas para o explorador inglês. Foi a primeira vez que esse assunto foi tratado de forma tão precisa e detalhada. (o que era um padrão em seus escritos). Isso acabou levantando suspeitas sobre a própria sexualidade de Senhor X . O capitão costumava dizer que a melhor forma de se aprender um novo idioma era se deitando com uma mulher nativa. Não se deve duvidar pois quem disse isso foi simplesmente um dos maiores poliglotas de todos os tempos.
Foi esse mesmo capitão inglês que revelou para as pudicas mulheres européias que as indianas faziam sexo não só para procriar mas também para o prazer do orgasmo. E havia manuais para explicar como fazer isso...
Paralelamente a essa profusão de conhecimentos, (Senhor X estudava, lia e escrevia em 4 grandes mesas que ele tinha em seu escritório, fazia tudo simultâneamente, pode se dizer que ele era um homem "multi-tarefa"). Ele escreveu 43 livros, além de incontáveis manuscritos.
O nosso explorador foi um dos primeiros ocidentais não muçulmanos, a participar da peregrinação à Meca (e voltar vivo de lá). Foi o primeiro ocidental e branco a entrar na temida cidade proibida de Harar (e voltar vivo de lá). Foi ele que descobriu junto com seu amigo e depois rival John Speke a nascente do Rio Nilo, no lago Vitória (e voltar vivo de lá). Todas essas histórias foram relatadas por Senhor X em livros. Bem como por outros escritores. São todas histórias fascinantes e aventuras inigualáveis.
Não vamos esquecer que naquela época tudo o que Senhor X tinha eram os relatos orais de viajantes e alguns pouco confiáveis manuscritos sobre esses lugares. Tudo era absolutamente misterioso e perigoso.
Senhor X ainda esteve em contato com povos canibais na África e com os pigmeus. Foi para os EUA onde foi pesquisar a vida dos Mórmons, comunidade recem criada naquele país e que eram perseguidos pelo governo americano. Posteriormente o capitão inglês foi servir diplomaticamente na Síria, acabou criando uma enorme intriga entre cristãos e muçulmanos e a Rainha Vitória achou por bem mandá-lo para Santos onde seria o consul inglês no Brasil . O casal X não se adaptou ao calor a aos mosquitos de Santos e subiram a serra e vieram morar em São Paulo. Isabel logo se tornou amiga da Marquesa de Santos e Senhor X acabou frequentando habitualmente o Palácio Imperial Brasileiro no Rio de Janeiro. Para não perder o costume, Senhor X navegou todo o Rio São Francisco, de Minas Gerais até o mar e ficou impressionado com a riqueza brasileira, segundo ele, com a criação de escolas e universidades o Brasil se tornaria um grande país em pouco tempo...
Senhor X , quando em São Paulo, gostava de fazer picnics no morro de Nossa Senhora do Ó, onde avistavam toda a beleza do pico do Jaraguá e as várzeas do Rio Tietê... Nos finais de tarde Senhor X era um assíduo frequentador da biblioteca do Largo São Francisco, onde procurava se informar sobre as descobertas dos primeiros viajantes europeus no Brasil, sua vegetação e as minas de Ouro que poderia encontrar.
Ainda em viagens pelo Brasil, em Santa Catarina, o viajante inglês foi o primeiro a notar, relatar e dar importância aos sambaquis . Durante a Guerra do Paraguai, Senhor X viajou com o Duque de Caxias para acompanhar as sangrentas batalhas como observador do Império Britânico. Há que se fazer um parenteses aqui, apesar de em muitas vezes Senhor X estar a serviço do Império, ele pouquíssimas vezes colocou esse fato como prioridade, (a excessão mais famosa foi na deposição do xá persa com a ajuda dos "assassinos", quando Senhor X conspirou fortemente). O que se nota claramente na vida do inglês é que nem ele gostava do "british way of life" (ele detestava o puritanismo, a politicagem, o pedantismo e a arrogância de seus colegas e achava as mulheres inglesas feias, duras e péssimas na cama), bem como a nobreza britânica achava Senhor X um sujeito "pavio curto", pouco britânico, grosseiro e imprevísível. Ele também era viciado em ópio, alcool e haxixe.
O capitão inglês na verdade tirava proveito do Império para investigar todas as culturas que lhe interessavam.
Senhor X viveu 69 anos. Uma viagem da Inglaterra para a India, por exemplo, durava 4 meses. O que esse homem fez em 69 anos, trazendo ao mundo ocidental boa parte das maravilhas culturais do oriente é algo realmente impressionante. Indiana Jones, o maior aventureiro criado por Hollywood, seria um mero escoteiro perto de Senhor X .
Tentar "resumir" a vida de Senhor X , como fiz agora, é quase um crime. Na verdade impossível. Uma boa entrada na vida deste viajante inglês pode ser feita pela biografia feita por Edward Rice: Senhor X . São Paulo: Companhia das Letras. Outra grande pedida, com uma perspectiva mais "caseira", é a leitura da biografia feita por sua esposa Isabel. (Sensacional a descrição que ela faz de São Paulo, o Brasil e os brasileiros da época, uma visão bem diferente do que estamos acostumados a ler). Isabel desperta amor e ódio em quem acaba por conhecer a história do viajante inglês. Ela, em seu recato religioso, acabou por queimar inúmeras obras "demoníacas"e "pervertidas" do marido após a sua morte. Foi um crime contra a humanidade, mas, por outro lado, foi ela que sempre esteve ao lado dessa figura extraordinária. Não deve ter sido fácil ser a esposa de Senhor X .
Ainda na América do Sul, Senhor X prosseguiu viagem pela Argentina (esteve na Patagônia, mas estranhamente não houve nenhum relato, mesmo quando ele ainda estava vivo e também no Peru. Sobre o Brasil ele escreveu o livro " The Highlands of Brazil" sobre sua viagem ao interior do país.”
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