A ênfase sobre a mineração do diamante e do ouro deixou, até a década de 1980, o setor da agropecuária de abastecimento relegado a plano bastante secundário na historiografia mineira relativa aos séculos XVIII e XIX. No caso de Diamantina, essa situação parece ter sido agravada pela própria paisagem regional, caracterizada por relevo muito movimentado, solo raso e arenoso salpicado por irrupções de rochas duras que lhe conferem aspecto ruiniforme. Para o observador comum, o entorno de Diamantina não teria condições de suportar agricultura e pecuária de alguma relevância, de modo que o abastecimento do antigo Tijuco, e depois da cidade de Diamantina, dependeria estritamente da produção de mantimentos realizada em terras do Serro, ao sul, e de Minas Novas, ao norte.
É verdade que as tropas de muares provindas do Serro e de Minas Novas tiveram grande importância no abastecimento do Tijuco/Diamantina até a década de 1960 (MARTINS, 2006). Mas também é verdade, como demonstrou José Newton Coelho Meneses (2000), que a produção de “gêneros do país” ao redor desse núcleo urbano ocupou diversas propriedades e expressivo número de braços nos tempos coloniais. As atividades agropecuárias e de beneficiamento de produtos de origem animal e vegetal foram significativas na história do Alto Jequitinhonha, concorrendo para que rumassem ao mercado do Tijuco/Diamantina, cereais, açúcar, rapadura, aguardente, farinhas de milho e mandioca, toucinho, queijos e gado em pé (PAIVA, 1996).
O que pouco se ressalta é o papel desempenhado pelas chácaras e pelos quintais existentes no Tijuco/Diamantina (e sua periferia) no abastecimento local de “gêneros do país”, ao longo do século XIX e início do século XX. Além de produtos in natura, as chácaras e os quintais forneceram aos habitantes de Diamantina uma gama de verduras, legumes, frutas, farinhas, quitandas, laticínios, doces e bebidas. Também pouco se discute a importância das Intendências para o abastecimento dos moradores da cidade, o que se expressa na luta pela constituição do Mercado Municipal e nas disputas em torno da regulamentação e fiscalização de seu funcionamento na virada do século XIX para o século XX.
Este trabalho investiga justamente a trajetória da produção alimentar nas propriedades urbanas e suburbanas do Tijuco/Diamantina e o movimento do Mercado Municipal no decorrer do Oitocentos e do Novecentos. O objetivo é, de um lado, descrever as estruturas existentes nos domicílios para a produção de alimentos e, de outro lado, caracterizar o papel da Municipalidade no âmbito do comércio de abastecimento. Utilizam-se fontes documentais diversas, destacando-se as narrativas de viajantes e memorialistas, documentos cartoriais, matérias dos jornais locais do período e registros fiscais do Governo Municipal de Diamantina. O estudo é qualitativo, tanto por causa da natureza do comércio em pauta, que ocorreu em boa medida ao largo dos mecanismos de fiscalização estabelecidos pelo Poder Público, quanto pelo tipo das relações sociais envolvidas, referentes à cotidianidade e à esfera do privado.
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