Texto: Fernando Gripp
Estou de férias e, andando pelo centro de Diamantina, tenho visto uma cena muito comum. Encontro com muitos turistas, geralmente casais de meia idade, ás vezes acompanhados dos filhos, empunhando uma câmera fotográfica e um guia de turismo. Tudo normal, mas olhando com mais atenção percebo um detalhe interessante. Não é raro encontrá-los com um olhar perdido, sentados nas calçadas, nas escadas da Catedral ou em um banco da Praça do Mercado Velho. Seguindo minha intuição tento ler seus pensamentos ou imaginar diálogo entre eles:
- O que viemos fazer nessa cidade? As igrejas estão fechadas, não há sinalização e informações para o turista, não vai acontecer nenhum evento musical nesta semana.
- Além disso, a cidade tem carros de mais, está esburacada e tem lixo espalhado pelos cantos.
- Realmente, não se parece nada com aquela beleza que vimos na minissérie da Globo
O diálogo acima é fictício, mas nenhum pouco muito improvável. Para demonstrar que não estou exagerando, relato aqui um fato acontecido recentemente na cidade de Lavras, Minas Gerais. Uma amiga minha estava em um restaurante naquela cidade e na mesa ao lado um grupo de pessoas conversava de forma exaltada e alegremente, quando um deles fez a seguinte provocação:
- Quem quer voltar para aquele “buraco” de Diamantina?
Minha amiga, morando atualmente aqui, ficou curiosa, não resistiu e perguntou o motivo daquela brincadeira. Prontamente ouvi a resposta:
- Somos de São Paulo e estamos voltando de Diamantina. Que decepção! A cidade é linda, mas os atrativos estão todos fechados, está descuidada e não há nenhuma informação ou apoio sobre os locais e eventos.
Essa história apenas confirma o que eu tenho visto por aí: turistas perdidos, batendo na porta fechada dos atrativos, procurando informações sobre uma boa pousada, querendo comer um prato típico da região ou procurando uma trilha para uma bela cachoeira. O pior de tudo é saber que Diamantina tem tudo isso e muito mais. Então, onde está o problema? Será que está faltando informação?
Recentemente fizemos aqui um comparativo (clique aqui) sobre as informações turísticas disponibilizadas nos sites oficiais de algumas cidades históricas brasileiras e constatamos a precariedade e a desatualização dos dados sobre Diamantina. O site (diamantina.gov.br) continua no ar: esteticamente feio, sem informações úteis e desprovido de atrativos para o turista.
Se um visitante lhe pedir informações sobre os horários de funcionamento das igrejas de Diamantina você seria capaz de ajudar? Pelo menos saberia indicá-lo onde fica o receptivo ao turista? Qualquer cidade turística de qualidade tem hoje um centro de informação bem planejado, bonito e de fácil localização. Quem visitou a cidade de Gramado-RS, que é menor que Diamantina, sabe muito bem do que estou falando.
Mas é preciso ser mais ousado e ir além de disponibilizar as informações corretas e atrativas. Será que não é possível realizar pelo menos um evento cultural para as pessoas que aqui vivem ou visitam durante as férias? Será que Diamantina tem somente a Vesperata para oferecer de março a outubro? Idéias não faltam: que tal um festival de verão com atrações culturais; um encontro de bandas musicais da região; um festival de canção popular ou serestas; uma exposição de diamantes; um evento gastronômico com pratos típicos preparados com ora pro nobis; um festival de cinema; um evento de esportes radicais pelas trilhas, cachoeiras e cavernas da região; uma feira de artesanato do Vale do Jequitinhonha e muitas outras possibilidades. Em um lugar tão rico culturalmente fica fácil imaginar eventos dessa natureza. Não é preciso ser um especialista, basta um pouco de vontade política e ousadia para fazer diferente.
Mas minhas esperanças são poucas. Vejamos o caso do Teatro Santa Isabel (clique aqui) . Reinaugurado em julho do ano passado, aquele incrível espaço está totalmente ocioso. A prefeitura não foi capaz de propiciar à cidade nenhuma peça de teatro, nenhuma mostra de cinema, nenhuma exposição, nenhum show musical. Absolutamente nada. Foram gastos mais de 2 milhões de reais de dinheiro público e os responsáveis não foram capazes de planejar um evento cultural para a população. Inexperiência? Falta de vontade política? Incompetência técnica? Falta dinheiro? Mais uma vez a mesma história: a cidade é linda, o teatro é lindo, porém .....
Some a tudo isso o descaso com o espaço urbano; o lixo transbordando nas poucas lixeiras; as matilhas de cães abandonados pelas ruas; o trânsito confuso; o calçamento esburacado; os preços abusivos em alguns comércios; as placas de mau gosto e os “puxadinhos” irregulares que descaracterizam o rico patrimônio; as centenas de baratas que passeiam pela região do Mercado Velho; a precariedade da entrada da cidade (Av. Felício dos Santos); o abandono e desrespeito com a obra de Niemeyr na Praça de Esportes; a precariedade da sinalização urbana; o mau cheiro de alguns becos e bueiros; o precário terminal rodoviário; as praças abandonadas e muito mais.
Queremos uma cidade de todos e para todos. Lazer e cultura são direitos constitucionais garantidos ao cidadão. O turismo sustentável é um dos setores mais promissores e rentáveis da economia. Acredito que seja possível administrar e construir uma Diamantina que tenha uma boa qualidade de vida para os que aqui vivem e, simultaneamente, que também ofereça bons serviços aos que aqui visitam. Os dois pontos se convergem e se completam. Enfim, como morador de Diamantina, espero sentir vontade de passar uns dias das minhas próximas férias por aqui para desfrutar, juntamente com os visitantes, de uma cidade mais organizada e preparada para mostrar suas riquezas, seus encantos e suas belezas.
Grande Fernando! Concordo plenamente e ainda adicionaria outros erros nessa gestão. Mas minha maior curiosidade diante de tantos problemas é saber porque um prefeito que se colocou como "uma pessoa bastante acessível", não pode responder por exemplo um texto como este ou melhor ainda, resolver tais problemas? Um abraço!
ResponderExcluirÉ isso aí Fernando! Se as autoridades competentes não conseguem mudar o rumo dessa história, vale a pena nós que somos de outra regiao mas estamos apaixonados por essa, fazer algo. Você retratou muito bem a realidade. Um abraço, Débora
ResponderExcluirCaro Fernando, a questão é que Diamantina sobrevive do surto exploratório desde os tempos de colônia até hoje. Pior: exploração patrocinada pelas elites locais que acrescem suas riquezas com surtos exploratórios sazonais (vesperatas, carnaval e festas religiosas) e não revertem à cidade qualquer tipo de investimento infraestrutural. Se a cidade é definida como um buraco pelos visitantes que aqui chegam, é porque a sociedade tijucana, ela mesma, instrumentaliza o patrimônio (cultural e histórico) em favor próprio, na manutenção de seus privilégios, da dominação social, das relações de troca e favor que caracterizam uma região onde o capitalismo parece não ter chego ainda. Diamantina não é mais autêntica que Ouro Preto só porque lá o turismo industrial se instalou e aqui, não. Diamantina é mais autêntica porque as relações de dominação presentes no período colonial ainda persistem neste arraial que luta, não para preservar a pureza de um tempo histórico perdido, mas para manter as coisas tais como ela hoje se encontram: estagnadas. Parece que Diamantina é concebida como uma grande lavra de diamantes, onde todos extraem tudo o que podem sem preocupar com os estragos e prejuízos que isso possa acarretar. Não temos aqui na cidade uma consciência histórica e cultural no nível que a cidade exige; tem-se apenas a consciência de que é necessária a exploração da cidade e das pessoas humildes que vivem nela para fortalecer cada vez mais o poder e dinâmica de uma economia que se funda na exploração, mas não no investimento.
ResponderExcluirBoa, Rodrigo! Penso mais ou menos assim também. E acho que se deve levar em conta distritos, povoados,a miséria que circunda o centro histórico de Diamantina. Conservar o que deve ser conservado, banir o que nunca deveria ter existido.
ResponderExcluirE vou um pouco mais longe, Saul. Em certos momentos o próprio ambiente acadêmico reproduz essas relações patriarco-coloniais, seja em sala de aula, seja no ambiente administrativo. A prova de que o habitus (utilizando a conceitualização do sociólogo francês Pierre Bourdieu) aqui fala mais alto quando se evoca o establishment de certos grupos historicamente constituídos na cidade e na região. Noutras palavras: o poder também se expressa na estrutura educacional que, por sua vez, conduz para uma visão conservadora (no sentido grave do termo) das relações sociais dentro e, sobretudo, fora da academia. Evidente que tudo isso não é um problema constatado apenas no Arraial do Tijuco, mas perpassa a condição cultural de inúmeras cidades do interior mineiro que se desenvolveram (?) à revelia dos processos organizacionais dos grandes centro urbanos do Estado. Talvez a solução para todo esse conjunto de problemas esteja longe de se concretizar. Mas políticas culturais efetivas de médio e longo prazo precisam ser pensadas e postas em prática para esse quadro sofra alguma alteração. Enfim, vamos dialogando e trocando ideias. Abraço.
ResponderExcluirRodrigo,fez-me lembrar de texto (agora percebo, um tanto romântico)no qual, em 2007,tentava contar sobre minha visão sobre a tal elite (que, decididamente, não é só do Tijuco, mas foi a que conheci na minha infância e juventude - que se vão bem longe - e que eu até pensava que tivesse evoluído mais). Tomo a liberdade de sugerir a leitura aqui: http://www.micuim.org/?p=1293
ResponderExcluirAbraço.
Saul, li seu post no outro blog. Interessante o que você descreve e da forma como o faz para definir essas relações tangenciais. Precisamos conversar mais sobre essas questões. Pelo que vejo você é morador de longa data em Diamantina e tenho um trabalho de pesquisa que envolve tais temas. Gostaria muito de conversar contigo, trocar algumas ideias por email ou mesmo pessoalmente. Um abraço.
ResponderExcluirRodrigo, não acredito poder ajudar muito; minhas impressões sobre Dtina. são apenas impressões,que às vezes ouso registrar em textos, mais sentimentais, nada acadêmicas, de um menino que lá nasceu, morou na década de 1950, início da de 60, e que na adolescência, já morando em BH, sempre passava lá as férias. Mais tarde, durante uns 20 anos, frequentei mais o distrito de Mendanha, que também aprendi a amar muito, com idas rápidas a Diamantina, numa espécie de turismo sentimental. De qualquer forma, estou à sua disposição. Para qualquer contato, meu endereço eletrônico: saul@micuim.org
ResponderExcluirGrande abraço.
excelente o post. Foi esta mesma a impressão que tive quando visitei a cidade 2 anos atrás.
ResponderExcluirE a troca de idéias aqui nos comentários explica muita coisa sobre porque a cidade está assim.