sábado, 2 de março de 2013

Conheça um paraíso chamado Biribiri, a Shangri-lá das Minas Gerais

Publicado no Estado de Minas 02/03/2013 (clique aqui)

Hoje, três adultos, uma criança e o vira-lata Mequetrefe moram no  pacato lugarejo, a 300 quilômetros de Belo Horizonte e a 14 do Centro Histórico de Diamantina (Paulo Henrique Lobato/EM/D.A Press)Diamantina – Há quem chegue à bucólica Vila de Biribiri e a compare a Shangri-lá – o idílico lugar criado em algum ponto do Himalaia pelo inglês James Hilton (1900–1954) em sua obra mais famosa, Horizonte perdido. Construído em 1877 para abrigar uma fábrica de fiação e tecidos do Biribiri e, ao mesmo tempo, empregar mulheres pobres do Vale do Jequitinhonha, o povoado chegou a ter 1,2 mil habitantes, na década de 1950. Hoje, três adultos, uma criança e um vira-lata, o Mequetrefe, moram no pacato lugarejo, a 300 quilômetros de Belo Horizonte e a 14 do Centro Histórico de Diamantina.

O nome da vila, em tupi-guarani, significa buraco fundo, numa alusão à sua localização, entre o sopé de uma montanha e o leito de um curso d’água. Biribiri foi idealizada pelo então bispo de Diamantina, João Antônio Felício dos Santos, e seus familiares. O projeto foi viabilizado pelo terreno acidentado, que permitiu aos empreendedores usarem a energia produzida por uma pequena usina cujas turbinas eram acionadas pela força das quedas-d’água da região. Nos bons tempos da produção fabril, Biribiri chegou a ter escola para os filhos dos empregados, pensionatos, armazém e consultório odontológico.

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Havia até apresentações de coral e grupo teatral. Aliás, a própria Biribiri foi levada para a tevê e o cinema como cenário dos filmes Dança dos bonecos, de Helvécio Raton; Xica da Silva, de Cacá Diegues; e A hora e a vez de Augusto Matraga, de Vinícius Coimbra. Na telinha, despertou a atenção dos roteiristas da novela Irmãos coragem e do seriado Rosa dos rumos. A vila chegou a ser colocada à venda na década de 1970. A família Mascarenhas, proprietária do lugarejo, pediu lance mínimo de US$ 2 milhões. A notícia ganhou destaque na imprensa nacional (revista Manchete) e internacional, mas não houve interessados em desembolsar a fortuna. "Não está mais à venda", assegura Kika Mascarenhas, de 45 anos, uma das herdeiras do local.

A literatura também se rendeu aos encantos da vila. Em maio de 1893, a adolescente Alice Caldeira Brant escreveu em seu diário que “não teria pressa de ir para o céu se morasse em Biribiri”. Quase 50 anos depois, as lembranças da jovem foram publicadas no best-seller Minha vida de menina, que Alice publicou sob o pseudônimo de Helena Morley. A importância de Biribiri foi reconhecida pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha) ao tombar, em 1998, o conjunto arquitetônico.

A proteção, claro, inclui a única igreja de lá, a do Sagrado Coração de Jesus. O templo, cercado por palmeiras-imperiais, foi erguido na entrada do lugarejo, também em 1876, com recursos conseguidos pelos próprios moradores. Nas horas vagas, eles garimpavam pedras preciosas na região. Desde o fim do ano passado, a Sagrado Coração de Jesus passa por reforma. A igreja, quando restaurada, voltará a ser aberta à visitação. A fama de Biribiri foi tamanha que a família real doou um relógio para ser fixado abaixo da pequena torre da igreja. Quase em frente à entrada principal dela, há o único túmulo do povoado, o do senador Joaquim Felício dos Santos (1822–1895). O político foi um dos autores do Código Civil que vigorou até 2003.

Conservação
Mequetrefe, o cachorro, costuma descansar no gramado em frente à igreja, cujas cores acompanham as das demais edificações – todas com paredes externas brancas e portas e janelas azuis. Ao contrário do templo, os imóveis que serviram como moradias dos funcionários estão em bom estado de conservação. As casas, de diferentes tamanhos, estão à disposição de quem deseja alugá-las para uma temporada. A diária é de R$ 30 por pessoa. Muitos turistas, porém, preferem passar o dia na vila, como fez Ranah Mannezenco, moradora de Viçosa, e seus amigos. “Aqui é mesmo como Shangri-lá. Só descobrimos tudo chegando, como mineiro, de mansinho, observando”, disse ela.

Ranah e seus amigos almoçaram no único restaurante de Biribiri, batizado de Raimundo sem Braço. O proprietário, seu Raimundo, precisou amputar o braço direito, depois de uma infecção causada por um tratamento malfeito. “Trabalhar em Biribiri é um privilégio. Veja a natureza, ouça o canto dos pássaros…”, diz o comerciante enquanto serve a um turista uma dose das cerca de 200 garrafas de aguardente que vende no seu estabelecimento. Raimundo mora em Diamantina. Já Adilson Costa, de 35 anos, é um dos quatro residentes na vila. “Descobri que aqui é o meu lugar”, diz o rapaz, enquanto faz a limpeza de um dos galpões onde funcionou a antiga fábrica. Ele divide uma casa com a mulher, Simone, e a filha, Maria Luiza, de 4. O quarto morador de Biribiri é o também zelador Geraldo da Conceição Reis, de 44: “Sabe o que é morar num lugar pacato? É aqui”.


LINHA DO TEMPO
1870: O bispo dom João Antônio Felício dos Santos resolve fundar fábrica de tecidos para empregar as moças pobres do Vale do Jequitinhonha
1877: A fábrica é concluída, com o maquinário de Massachusetts (EUA). Do Rio de Janeiro até lá, foi transportado no lombo de mulas e carros de bois
1893: A jovem Alice Brant trata de Biribiri em seu diário, futuro best-seller Minha vida de menina
1921: A fábrica e a vila são vendidas a particulares
1950: Cerca de 1,2 mil pessoas trabalham em Biribiri
1973: A fábrica de tecidos é desativada
1998: Conjunto é tombado pelo Instituto Estadual do patrimônio Histórico e Artístico (Iepha)
2012: Começa a reforma da Igreja Sagrado Coração de Jesus

SAIBA MAIS: BELEZA CÊNICA
O Parque Estadual do Biribiri, com área de 16,9 mil hectares, está inserido no complexo da Serra do Espinhaço. A Vila de Biribiri está abrigada na área do parque. Quem a visita se encanta não somente por seu casario, mas principalmente pelas paisagens de beleza cênica, com seus rios de leitos de pedras, formando cachoeiras e atravessando campos. A área abriga várias nascentes e cursos d'água: o Rio Biribiri, que moveu as turbinas da hidrelétrica geradora da força motriz da fábrica de tecidos; o Rio Pinheiros e diversos córregos, sendo os mais famosos o Sentinela e o Cristais. Os descendentes dos proprietários da fábrica contam histórias sobre os suntuosos degraus da Cachoeira dos Cristais, cujas rochas teriam sido cortadas com talhadeiras pelos proprietários da época, à procura de diamantes. A cobertura vegetal nativa é composta por cerrado, campos rupestres e matas de galeria. Podem ser encontrados diversas espécies da fauna, muitas delas ameaçadas de extinção, como o lobo-guará e a onça-parda ou suçuarana.

Como chegar
A vila, embora privada, fica dentro do Parque Estadual do Biribiri. Criado em 1998, no mesmo ano em que o pacato lugarejo foi tombado pelo Iepha, ele conta com cerca de 18 mil hectares. Além da vila, outra atração do parque é o conjunto de cachoeiras, como a Sentinela, com cascatas e praia. A rica flora e a exuberante fauna também encantam turistas. O acesso de Diamantina a Biribiri, passando pelas cachoeiras e áreas para acampamentos, é feito em estrada de terra. O caminho permite fazer um percurso, de carro, em cerca de 30 minutos. Porém, em época de chuva, é melhor o viajante se informar com os seguranças que ficam na guarita do parque, pois dependendo do trecho a lama pode dificultar o passeio.

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