segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Entre abacates, prateleiras e tradições

Autora: Adriana Netto Parentoni

Eu vinha de uma família simplória, mas tradicional sim... o que naquela época queria dizer, nada de dinheiro sobrando, de separações, avós super presentes, com certeza muitos filhos e netos...uma honestidade extrema... carinho e respeito absolutos com os mais velhos!

Nossas férias de quase quatro meses por ano, incluíam os meses de junho e julho e depois os de dezembro e janeiro, aconteciam na casa de praia, que, especificamente no nosso caso, era um apartamento bem no centro da cidade de Guarapari, no Espírito Santo. Fico pensando que, talvez, por causa disso, fôssemos crianças mais felizes que as de hoje, pois estas têm tão pouco tempo livre e tantas obrigações inexistentes no nosso tempo, como aulas disso e daquilo! Nós ficávamos no apartamento, pois os hotéis além de caríssimos naquele época, não faziam parte dos costumes da maioria das pessoas. Aliás, meu adorado pai, até hoje, não se sente à vontade quando hospedado em um hotel...ele não fala, mas eu sei que prefere estar em casa! Ele não aprendeu a nadar mas nem por isso deixou de ser apaixonado pelo mar.

Mesmo passados todos estes 44 anos, eu nunca consegui entender direito, como num apartamento de apenas dois quartos e uma micro sala, cabiam uma família de sete filhos, fora pai, mãe e a tão imprescindível empregada, sendo que, minha família sempre viajava acompanhada de no mínimo dois ou três primos...era uma festa!

Ou vai ver, que era, por assim dizer, um milagre de preenchimento de espaços, que começava no único carro em que viajávamos... Fico imaginando hoje, como um opala vermelho, com três adultos e por volta de dez crianças empilhadas poderia passar despercebido na polícia rodoviária federal! Certamente, nos dias de hoje, isso daria cana na certa, afinal, nem cinto de segurança havia para esta pequena multidão ali contida!!!

Penso agora que, naquele tempo, havia na verdade um exercício de partilha e aconchego muito maiores do que os que fazemos hoje! Havia uma sabedoria que hoje certamente nos falta! Percebo isso toda vez que coloco dois sobrinhos na parte de trás do meu carro e eles me dizem: “Tia Dri, fulano está me incomodado, pois ele se encostou em mim!!!” Hoje fico pensando o que deveríamos responder a este questionamento naquele tempo! Não só estávamos encostados como viajávamos cerca de dez horas empilhados uns sobre os outros... Lembro-me que minha mãe levava pelo menos uma criança em cada perna!!! Talvez isso explique suas duas cirurgias para retirada de varizes e o quão nós irmãos nos tornamos apegados uns aos outros!

Mas tinham também aquelas tradições que algumas vezes odiei, como por exemplo, a que pregava que todos deveriam se casar...que as mulheres deveriam sempre servir aos maridos, ter um monte de filhos e usar vestidos sempre muito bem passados e engomados... Mesmo assim, houve outras tantas que adorei, como por exemplo, a que falava “faça da sua vida o que achar que deve”... “sua felicidade só pode depender de você”, “estude o máximo que puder para alcançar sua liberdade”!!! E nesta espécie de descompasso eu me criei...se é que posso me definir...seria metade feminista, metade machista...metade dependente, metade independente...metade certa do que queria...metade sonhando o que seria...e sempre um pouquinho anarquista!

E somente hoje, muito depois, percebi tradições maravilhosas para as quais nunca tinha prestado a menor atenção, ou dado o menor valor... Na verdade, em pleno dia de Santo Antônio, padroeiro da cidade de Diamantina, onde resido atualmente, que fica no estado de Minas Gerais, percebo o que realmente elas significam!!!Deixe-me tentar lhes explicar o por que!

Fazia tempos que meu cachorro Fred tinha morrido e eu relutava em ter um outro. Afinal, sempre fui apegada aos bichos, aliás, minha mãe Orminda é mesmo uma santa! Quando penso na coleção de bichos que cada um de nós, seus sete filhos tiveram na infância e que variaram desde cachorros (eu sempre ganhava uns doentes de um treinador amigo do meu pai e fazia todos ficarem recuperados!) a coelhos (meu irmão mais velho, cuja pequena criação passou dos 40 animais!), passarinhos (meu irmão do meio, que lotava o terreiro de gaiolas das mais diferentes e que gastava antecipadamente seu presente de aniversário adquirindo novos passarinhos, mas nem sempre recebia o presente em dinheiro e passava aperto para cobrir seus negócios...), preás (ou como são mais conhecidos os porquinhos da índia...nem me lembro mais quem era o autor da criação, mas que viraram praga no lote ao lado da nossa casa, isso eu tenho certeza!!!) e tudo mais que fosse possível de ser criado, como perus para o natal (que recebiam um copo de pinga na véspera do natal para ficarem com a carne mais macia quando abatidos), galinhas ( que tinham um belo galinheiro e um galo que me esporou muitas e muitas vezes) ou mesmo fungos, para serem apresentados na coleção final da antiga oitava série do colégio Santo Antônio onde estudava...vejam bem que parti do dia de Santo Antônio e já volto nele...

Antes de me mudar para esta casa em Diamantina, parte da minha família veio dar o “diagnóstico” se a casa era boa ou não. Neste momento votaram adultos e crianças. Como sempre aconteceu na minha família, eu só nunca soube se o peso dos votos era igualitário ou se o dos meus pais tinham peso dois, risos...Pois bem, eles olharam todas as casas do condomínio, que eram exatas 25 casas... e, por fim, decidimos ficar com esta vermelhinha do final da rua em que moro hoje. Lembro-me do meu irmão Sidney, o criador de coelhos, me dizer que esta era boa, pois, segundo ele, não tinha barulho, coisa que sempre odiei e ainda por cima, tinha a vantagem de ter um pé de abacate nos fundos...Para minha irmã Dayse a amarelinha que tinha um closet seria a ideal...mas nunca liguei para as roupas...Minha mãe disse que a cozinha era perfeita e isso me conquistou...adoro cozinhar!

E hoje, justamente agora, estou debaixo deste pé de abacates, pintando umas prateleiras que fiz, para poder guardar no alto os materiais de limpeza, para que meu novo cachorrinho, o Ted, não coma o que não deve...

Curiosamente agora, quando termino de colocar as mãos-francesas na parede, depois de horas fazendo medidas, para tudo ficar simétrico e de fazer muita força na furadeira e também para aparafusar aquela enormidade de parafusos, lembrei-me vividamente do meu adorado avô, o Sr. Rêmulo, que era um exímio carpinteiro e que me ensinou uma das verdades mais simples e absolutas de vida, pois ele sempre me dizia: “Minha filha, se ele não nasceu aí quer dizer que você pode mudar sem problemas” E assim, dia-a-dia eu passava ao seu lado em sua oficina fazendo caixas, gavetas, aplainando, lixando e, principalmente, assistindo as coisas se transformarem pelas suas mãos calejadas e ao mesmo tempo tão doces... Ele era um gênio sim...na simplicidade das palavras e na grandeza das suas obras!

E hoje me pego serrando madeira para fazer as prateleiras da minha área de serviço e depois as pintando debaixo do abacateiro...o cachorro correndo de um lado para outro e  o vento soprando em meu rosto, me fez lembrar o carinho que meu avô tinha para comigo...me fez ter um orgulho enorme de tudo que ele pacientemente me ensinou em sua oficina, que ficava ao lado da minha casa...ao longo de tantos anos. Muitas vezes eu odiei ser despertada com o barulho da sua serra, principalmente na adolescência, onde temos um sono do cão!...Mas hoje, ao me ouvir cortando a madeira e ao sentir o seu cheiro se misturar ao da tinta branca, me veio uma noção tão diferente sobre o que seria a tradição...

Na oficina do meu avô havia dois pés de abacate e nós dois sempre ficávamos lá em baixo pegando os frutos e esperando a tinta das coisas que tínhamos pintado secar, principalmente o verniz, que era feito lá mesmo, colocando uma espécie de asa de barata dentro de uma garrafa com álcool, que tinha que dormir de um dia para outro antes de ser usada! Eu hoje estou aqui, no meu pé de abacate, esperando minhas prateleiras recém pintadas secarem, com meu novo cachorro correndo e me mostrando que um abacatinho acabou de cair do pé e eu estava aparentemente desligada de tudo, quando tudo surgiu na minha lembrança!

Talvez hoje, eu finalmente comece a entender o por que das tradições... Para mim tradição não é só o que se guarda mas, é antes de mais nada, o que levamos conosco pela vida afora...portanto, sinto agora um orgulho enorme de ser a neta caçula do Sr. Rêmulo, o grande carpinteiro, que plantou dois lindos pés de abacate onde trabalhava em Belo Horizonte...e que através dos seus inigualáveis olhos azuis me mostrou que a vida sempre continua...independente de dependurarmos ou não o Santo Antônio de cabeça para baixo...estaremos sempre seguindo as nossas verdadeiras tradições...Que seja o amor a maior delas!

Nenhum comentário:

Postar um comentário