Autor: Luciano Becheleni Guimarães
Antes da primeira Grande Guerra Mundial, os moradores da pequena cidade provinciana de Diamantina, tinham muito pouco lazer à disposição.
Um grupo de senhores mais abastados, sempre que o sol despontava no horizonte, rumavam para o clube local, para uma jogatina de pôquer, valendo alguns Contos de Réis.
Não era um jogo de vida ou morte. Aventureiros às vezes apareciam, mas logo eram depenados, pelo conluio dos demais. Era tão somente uma diversão, vez por outra, alguém extrapolava e perdia uma boa quantia.
Queixas eram dadas as autoridades competentes, via de regra, pelas próprias esposas dos viciadíssimos jogadores, mas sem nenhuma providência tomada, visto que, estes eram pessoas de bem, da mais alta sociedade. Assim sendo, as autoridades faziam ouvidos de mercador, ouvidos moucos.
Participavam advogados, comerciantes, mascates, fazendeiros, garimpeiros, aposentados etc. e obviamente alguns “sapos” .
Dois episódios interessantes ocorreram com o mesmo personagem, garimpeiro de cristal, na flor da sua terceira idade, engraçadíssimo, de uma presença de espírito fabulosa, daquelas almas que vieram ao mundo para serem felizes e também trazer felicidade aos que o circundavam.
Mesa de pôquer formada, o Senhor Lacerda inicia sua aventura cotidiana juntamente com os demais viciados na jogatina diária. Havia tirado uma boa partida de cristal limpo, e vendido a bom preço para os Americanos.
Exacerbou-se no jogo, dobrando as apostas, e acabou perdendo uma pequena fortuna na mesa de pôquer.
Meio descabriado, despediu-se de todos e disse que voltaria em alguns minutos.
Uma hora depois, adentra a sala de jogos do Clube, o Senhor Lacerda, com o terno de linho SS120 todo amarrotado, gravata a meio pau, cabelo despenteado e andar trôpego, e balbuciando palavras pouco compreensíveis aos demais.
Assim que adentrou a sala de jogos, fechou a porta com a chave e retirou-a da fechadura, colocando-a no bolso do seu paletó de linho, o que de certa forma já causara espanto aos demais, que estavam presentes à mesa.
O Senhor Lacerda pediu um minuto de atenção a todos, interrompendo o jogo, e iniciou um breve discurso. Foi lacônico. disse a que veio:
Queridos e digníssimos companheiros e conterrâneos de longa data, eis aqui, a Vossa frente, um Homem literalmente falido, vitima do seu próprio vício. Impossibilitado doravante, de cumprir seus compromissos financeiros agendados anteriormente, tomei uma drástica decisão!!!! Partirei desta vida, para quem sabe, uma melhor em lugar desconhecido e não sabido. No entanto, resolvi levar comigo, os queridos amigos aqui presentes, que de certa forma, contribuíram para a minha ruína financeira.
Neste momento, o Senhor Lacerda, retira do bolso do seu paletó de linho SS120, três bananas de dinamite, previamente arranjadas, digo amarradas umas as outras, e um pavio bem curto, coisa de centímetros, e diz: encontrar-nos-emos em algum lugar, ou no céu, ou no Inferno.
Logo apos o pequeno discurso, ateou fogo ao pavio da dinamite!!!!
Uma balburdia generalizada, alguns tentando arrombar a porta de aroeira, sem conseguir, outros, enfiaram-se debaixo da mesa de jogo, um deles, advogado célebre na cidade, desandou a chorar e a lamentar, dizendo: Valha-me Deus, perdoe os meus pecados, se é que os tenho.
A esta altura, já exalava um mau cheiro na sala pequena de jogos, alguém defecara de tanto medo.
Passados alguns minutos, que mais pareceram horas ou dias, em um misto de pavor, medo e indignação, o Senhor Lacerda, desandou a gargalhar, ria a cântaros, para desespero dos demais.
Disse laconicamente: cambada de maricas, medrosos, não vamos a lugar algum. Aliás, vamos sim, sair logo daqui, porque tá um cheiro horrível de bunda velha.
A dinamite não era real, o senhor Lacerda, como velho garimpeiro, sabia bem manipular os cordéis, pavios e a dinamite, usará por longo tempo em seus garimpos. Ele retirou a pasta interna da dinamite, deixando apenas o invólucro, preencheu o vazio da embalagem com estopa e colocou um inofensivo pavio, claro, este real.
Dizem que o Senhor Lacerda ganhou dois inimigos fraternais, ad perpetum, por esta brincadeira macabra.
Esta troça, foi motivo de flauta, de gozação por décadas a fio.
Em outra feita, ao derredor da mesma mesa de jogos, o Senhor Lacerda, sempre levada nos bolsos do seu paletó de linho ss120, amendoins torrados. E para seu espanto, um sapo, um não jogador, um daqueles olheiros habituais, um curioso, assiduamente lhe fazia parceria nos amendoins, a ponto de meter a mão nos bolsos do paletó para retirá-los.
Certo dia, já meio injuriado com os abusos do curioso sócio nos amendoins, mas sem querer ofender o sujeito, colocou dentro do bolso do paletó, alguns amendoins torrados e bosta de cabrito. Ao que o sócio intruso, na medida que ia furtando os amendoins , dizia: este esta bom, este está chocho, este esta bom , este esta chocho, mal sabendo o sacripanta, que metade do que comera era amendoim, a outra metade, bosta de cabrito.
Em outra feita, este mesmo curioso observador, tomou o maior susto do mundo.
A luz elétrica, sempre faltava, demorava alguns minutos, mas voltava.
Num destes apagões, antes da chegada do curioso sapo, os habituais jogadores combinaram seguinte: quando a luz elétrica for embora, alguém se levanta e vai até o interruptor de luz e o apaga, para que, quando a luz retornar, não acender na sala de jogos, continuar no escuro, e assim continuaremos a jogar (fingir que) no escuro, como que se a luz elétrica já estivesse voltado, normalizado.
Assim sucedeu a farsa, uns pedindo duas cartas, outros 3 cartas, outros dizendo passo, e na seqüência, alguns dobrando o cacife da aposta .
O sujeito foi ficando apavorado, descabriado, vendo que os presentes estavam jogando normalmente e ele não estava vendo absolutamente nada, subseqüente deu um grito e disse: estou cego, socorrooooooooooooo!!!!!!!
Bem que Mainha me disse que eu ainda ia ficar cego por castigo.
“Risus abundate in ore stultorum” (O riso, abunda na boca dos tolos). Silêncio total e arrependimento, porque quando acenderam a luz, o pobre curioso estava com os olhos vendados pelas mãos, e se recusava a abri-los.
Causo verídico, ocorrido na década de 40, em Diamantina, e relatado pelo Senhor Lacerda a mim, que fui seu parceiro em um garimpo de diamantes, no Rio Jequitinhonha.
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