Há 14 anos, o então estudante de biologia Marcelo Ferreira de Vasconcelos ouviu um canto de pássaro que nunca tinha escutado. Ele estava num trabalho de campo na Serra da Piedade, no município de Caeté, na Grande Belo Horizonte, e, ao ouvir os primeiros piados, teve a quase certeza de que era de uma espécie diferente, visto que conhecia bem aquele terreno e nunca tinha ouvido nada igual. Imediatamente, a chama da curiosidade se acendeu. Fogo que durou até este ano, quando, finalmente, conseguiu mostrar ao mundo o tapaculo-serrano. Trata-se de uma ave que praticamente não voa: ela caminha como um rato no solo de ambientes sombrios das grotas que entrecortam as serras mineiras.
Atualmente como professor do curso de mestrado em zoologia da PUC Minas, em Belo Horizonte, Marcelo conta que na mesma época os pesquisadores Bret Whitney, José Fernando Pacheco e Luís Fábio Silveira descobriram a ave na Serra do Caraça, em Catas Altas. Todos se reuniram para descrever a nova espécie, estudo que tomou cerca de 15 anos de pesquisas em outras montanhas, análises genéticas, visitas a vários museus brasileiros e ao famoso Museu Americano de História Natural, em Nova York.
"O reconhecimento pela comunidade científica internacional de uma nova espécie é algo custoso e que demanda tempo", explica o professor. Basicamente, é dividido em três fases: análise genética; pesquisa de exemplares em museus e publicações; e a descrição da espécie. Nesse meio tempo, a descoberta pode inclusive ser contestada por outros estudiosos, como foi o caso do tapaculo-serrano. Alguns consideraram que a espécie já tinha sido “batizada”, em 1835, pelo naturalista francês Jean Moris Edouard Ménétriès. Porém, análises de diversos exemplares depositados em museus e das fotografias de excelente qualidade da ave coletada por Ménétriès (hoje depositada no Museu de Zoologia de São Petersburgo, na Rússia) mostraram que a espécie descrita pelo francês era o tapaculo-preto (Scytalopus speluncae), típica das montanhas mais próximas ao Oceano Atlântico.
A partir daí, e do reconhecimento de revistas especializadas, a espécie encontrada pelos pesquisadores em Minas Gerais foi considerada realmente nova, sendo descrita em junho na Revista Brasileira de Ornitologia, com o nome de Scytalopus petrophilus. Marcelo Vasconcelos explica que a denominação nasce a partir das determinações de um complicado Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. O nome petrophilus, do grego "amante das pedras", refere-se ao fato de a ave viver geralmente associada aos ambientes rochosos, típicos dos topos de montanha. O nome em português, tapaculo-serrano, reconhece que a distribuição geográfica da espécie está restrita às serras, da região da Mantiqueira até os arredores de Diamantina. Ainda não há indícios de sua existência fora das montanhas de Minas Gerais.
Diferentemente de muitas aves com cores que chamam a atenção, o tapaculo-serrano não é vistoso e também não tem canto melodioso. Sua coloração geral é cinzenta, com a barriga esbranquiçada e laterais do corpo amarronzadas com barras marrom-escuras. Seu canto é monótono, consistindo de uma série repetitiva de notas, algo como um "tién-tién-tién-tién...", ouvido principalmente nas primeiras horas das manhãs frias e nubladas, típicas das montanhas mineiras.
Segundo o professor Vasconcelos, não é possível afirmar que a espécie está ameaçada de extinção porque só foi descrita recentemente e isso ainda não foi avaliado. Diz também "que até o momento não se sabe quantos exemplares existem, mas devem ser milhares, já que a espécie é relativamente abundante nas serras mineiras. Ela alimenta de insetos e ainda não se sabe sobre sua reprodução".
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