Autor: Almandrade (artista plástico, poeta e arquiteto)
Com as mudanças climáticas aceleradas há uma tendência de dificultar ainda mais a vida no planeta nas próximas décadas, por essa razão a perda da qualidade de vida tende a aumentar e conseqüentemente também a recessão da ética, da cidadania, da ordem, da educação e das responsabilidades individuais com o outro e o meio ambiente. Levar vantagem, não importa como, é uma meta. Na sociedade urbano-contemporânea contemporânea, a perda do domínio público é visível nas reivindicações ou reclamações que vêm à tona quando surgem intervenções que atingem o espaço particular. Há muito a cidade deixou de ser o lugar da liberdade, do diálogo, do encontro, é o lugar dos prazeres imediatos e do consumo, da circulação da mercadoria.
Chegou o verão, a cidade do Salvador é do turismo e da festa. Estamos nas vésperas de mais um carnaval. A cidade, desprovida do sentido de comunidade, é o palco onde tudo se troca, tudo tem um valor de mercado, do entretenimento ao corpo. O evento já não é mais uma diversão, mas uma indústria de um espetáculo que invade a cidade. E para quem vive no circuito da folia, sem tranqüilidade, exilado em seu próprio espaço residencial, invadido pelo barulho da rua e o odor desagradável de urina e cerveja, não há alternativa.
O carnaval acabou se transformando numa festa autoritária para quem não tem o direito de optar por outro divertimento, por outro tipo de música. Cresceu demais, ficou maior que a cidade, que mal o suporta. Ainda não se fez uma avaliação do impacto dos trios elétricos na estrutura dos prédios, monumentos históricos e no entorno. Chegou o momento de se pensar numa cidade do carnaval para o desfile dos trio-elétricos e a infra-estrutura necessária que a festa exige como o sambódromo, no Rio de Janeiro. A festa gera consumos exagerados de água, eletricidade, combustível, produz uma quantidade de lixo e custos de coleta.
O carnaval é um exemplo da privatização do espaço público e da nossa incapacidade de habitar o lugar público, nos acostumamos a pensar o público como uma reprodução do privado, até como forma de se sentir protegido. Com seus trios seletivos, é a extensão do domínio privado. A liberdade é o deslocamento para o público e a publicidade daquilo que se deseja realizar na intimidade e daquilo que não se tem coragem de realizar, nos outros dias do ano.
É preciso entender a cidade além da concepção de espaço físico. Habitar uma cidade tem como princípio básico o exercício da cidadania e o agir ético dentro de uma determinada sociedade. O consumidor, o personagem central da cidade moderna, ignora esse princípio e quem tem mais poder de consumo reivindica para si os benefícios da cidade. Isso está muito claro no carnaval, nos luxuosos camarotes, nas cordas que circulam os trios. Meio ambiente, cidadania e ética atravessam a cidade da festa. A função que o homem exerce na ocupação e significação do espaço, na relação com o outro e a natureza, diz respeito a valores que determinam a vida de cada ser no planeta. Valores que estão em crise. O homem moderno se dissociou dos propósitos mais importantes da vida, do compromisso pessoal com o estilo de vida e valores éticos. As necessidades devem ser satisfeitas levando em conta a necessidade dooutro e das futuras gerações. Mas perdemos nosso senso de responsabilidade.
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