Autor: Gonzalo Monterroso - gonzaloemdiamantina@hotmail.com
O verdadeiro carnaval começou e terminou na quinta-feira à noite. Depois veio um prolongado feriado para resistir, ir embora ou entrar no infausto paradigma da vulgaridade cultural que, com ardorosa teimosia, a Secretaria de Cultura, Turismo e Patrimônio continua a divulgar para atrair os incautos anêmicos de diversão. Vimos, sim, parar a música enlatada para ver passar, esporadicamente, esses blocos entusiastas, indício de outros carnavais que bem definem o espírito festivo regional, ora irreverente e malicioso, ora de rústica inocência, marchando como em procissão, sempre fervoroso e colorido. Mas os blocos tradicionais languescem ou então desaparecem. Empobrecidos, sem apoio nem renovação artística, desfilam na contra-mão dos recursos culturais hoje desviados em shows eletrônicos, batuques agressivos, bebedeiras e outras formas servis da cultura improdutiva.
Fala um cidadão que não escolheu fugir, mas sim ficar. Que não participa do carnaval como brasileiro adotivo, pois não foi educado nessa forma de diversão, mas que reconhece o carnaval como produto cultural genuíno quando concebido e praticado na feição tradicional, audaz, irreverente sem agressão, rico em alegorias e adereços, cheio de fantasias, sem intromissão de patrocinadores interesseiros. Eu, profano, que diversão poderia esperar de um carnaval sem diversão nenhuma? Para mim carnaval é coisa séria. Séria mesmo para se divertir muito. Sério é o carnaval de samba-enredos do Rio de Janeiro, o carnaval de bonecos de Olinda, o carnaval de máscaras de Veneza, de Oruro. Sério é morrer se divertindo muito, com criatividade, suicidar-se de alegria, de samba. Mas aí, morrer contagiado de anemia cerebral, morrer por overdose de tédio num empório farto de prazeres e delícias, deixar-se escapar nas mãos dos vendedores de droga ou vodka, isso deve ser o carnaval mais triste do mundo!
Enquanto outros carnavais brasileiros vêm investindo com entusiasmo em competitividade artística e cultural, o carnaval de Diamantina agoniza em franca e inexorável regressão. O diagnóstico não é promissor: morte por inanição. O recente carnaval de marchinhas tradicionais em Tiradentes, sem funk e sem axé, ilustra as novas tendências. O carnaval de Diamantina, no entanto, se apresenta disfarçado com um véu de mentiras, apatia e prostração, sem plano de salvamento à vista, legalizado pela indiferença de uma grande parte da população que o detesta sem reagir, pela fuga incondicional de moradores que não se identificam com a cultura de baixa qualidade, pela ausência deliberada de estatísticas que comprovem as moléstias que causa aos moradores, pelo perfil de turista culturalmente indigente escolhido para conviver com um patrimônio singular, pela mesquinha oferta de diversão em troca de alto risco patrimonial, pela imprudência de expor a Praça do Mercado Velho a uma tragédia, pela implementação de políticas públicas subordinadas mais ao consumo do que à cultura, pela falta de motivação e incentivo para recriar um carnaval de qualidade; pela política da Secretaria de Cultura do governo municipal, que se arroga a exclusividade de manipular um diálogo fictício, construindo passo a passo uma agenda falaz de seminários e reuniões de falsa fachada participativa, desconsiderando a pauta de mudar o carnaval do Centro Histórico para blindar as prerrogativas dos paraninfos do carnaval mercantilista, desmotivando uma discussão séria e incondicional em prol de um carnaval verdadeiramente sustentável. Enfim, pela chamada Comissão Permanente do Carnaval, entidade momesca de duvidosa representatividade, vazia de luzes, medíocre e omissa nas consequências das suas sombrias decisões, sem autoridade nenhuma para reger a vida de cidadãos e comerciantes pacíficos que não aceitam o vexame da diversão abusada, como costuma ser praticada em Diamantina.
Além de ter demonstrado ineficácia e despreparo para promover um carnaval de qualidade, a Prefeitura não dá conta nem tem aptidão para conter um carnaval de multidões. Não quer acabar com o excesso sonoro da música que toca sem parar nas casas e repúblicas, nem quer fechar o cerco aos criminosos de carros de som, fontes de pesadelo e intoxicação ambiental o ano todo. A folia, educada pela mídia vulgar, prefere e adota essa música estridente e de mau gosto que se instala impunemente sem se importar com os incômodos que provoca na vizinhança. Música enlatada que chega para esmagar os ouvidos com tirania e competir com aquela da programação oficial. E o volume da música da programação oficial agride o cenário patrimonial, já vulnerável e contaminado pela invasão desmedida de pessoas em espaços reduzidos, fragilizado também pelas características acústicas que impõe a topografia urbana. As casas antigas vibram, como vibram quando veículos pesados transitam nas ruas estreitas. Para ratificar o que ha muito dizem e reclamam, os moradores do centro histórico não precisam de qualquer laudo técnico ambiental do IPHAN, sempre prometido, nunca executado.
Quem ficou sabe. Não foi permitido colocar faixas com o intuito de proteger o patrimônio. Louvável preocupação estética. Mas foi permitido instalar um lixão no adro da Igreja do Bonfim. Casas do Centro Histórico e da cidade, mesmo sem faixas nas fachadas, se vêm forçadas a interditar portas e janelas com improvisados tapumes que ferem madeiras, alvenarias e calçamentos. Improvisam-se postes fincados no meio das ruas e becos, quadros de luz nas paredes, tubos de esgoto de qualquer maneira. Comerciantes sérios preferiram fechar as portas na mesma hora que brotaram, no contorno da Catedral, barracas desprovidas de qualquer instalação sanitária. Para a higiene desses estabelecimentos, o IPHAN tombou acertadamente o chafariz do Museu. Se tínhamos um Lava-pés, agora ganhamos um Lava-Pratos. Toda aquela informalidade fluindo naturalmente, lado a lado, com a delegacia policial, à vista das patrulhas da Guarda Municipal e no nariz dos fiscalizadores de alimentação e posturas. (Posturas? Quais? Você está brincando! Diamantina não tem código de posturas, nem pretende tê-lo. A postura de aliviar a bexiga em qualquer canto da rua? A postura de vômito? A postura de andar de cuecas com o arsenal de bebida alcoólica a tiracolo?)
Se você quer saber de posturas e outros códigos deveria ter visitado o Beco da Gaivota e arredores, catecismo de todos os pecados. Este beco, ainda que charmoso, não foi atingido pela política de preservação ambiental anunciada pela Prefeitura nem praticada no Beco das Beatas, talvez porque algum vigário católico quis mantê-las dentro do claustro nesses aziagos dias de igrejas fechadas e sinos mudos. O mais provável seja que seus moradores não vejam com bons olhos os benefícios da grosseria cultural na porta da suas casas, da maneira que se mostra nos arredores e queiram, por lógica, se manter afastados das sacrílegas consequências. Seja como for, o povo comenta, fofoca, mas não quer falar alto e entoa: "fica fica caladinha, fica fica caladinho". No mesmo circuito cultural das beatas esquivas, um hotel novinho e uma pousada que se atribuem topônimo do Vale praticaram o mais acabado cardápio do Vale tudo: caixa de som na porta, até com DJ e carro de som de reforço, pois parece que a "rica e extensa programação cultural com cem por cento de atrações locais" não satisfizeram o turista invasor. É maravilhoso comprovar com quanto entusiasmo hotéis, lojas e até universidades se mostraram tão envolvidos com o festival de cultura e enfatizaram suas qualidades com aportes de valor. A Universidade Norte do Paraná, por exemplo, deleitou os foliões com músicas cultas que emanavam da poderosa caixa de som colocada na porta da instituição, na Rua Direita, sem que funcionários de fiscalização que por lá andavam movessem um músculo para impedi-lo. Ou seja, o vademécum de agressões e desrespeito que ilustra o caos da cultura desonrada e que poderia perpetuar caso a esclarecida Comissão Permanente do Carnaval continue manipulada pelos agentes do lucro irrestrito e da permissividade inesgotável.
Eu te pego, assim você me mata
Uma morte inútil na frente da minha casa. Necessária, porém, para ilustrar a história sórdida da diversão a qualquer preço; mas por outro lado, da insatisfação incontida, da felicidade que se promete em pacote fechado e desmorona-se perante a certeza da farra não correspondida. Da insondável tristeza que oprime o coração de muitos crédulos, precocemente embrutecidos pelas drogas e bebidas, ainda novos e inexperientes na preciosa e sutil arte de saber se divertir e, portanto, criminosamente expostos aos traficantes da cultura mercenária, tolerada e incitada muitas vezes pelas autoridades ditas culturais, mascaradas em parcerias de inegável motivação comercial. Enfim, o drama íntimo e intransferível que nos acolhe quando ficamos a sós sem tentar sequer dissimular a angústia de tantas alegrias estúpidas, fúteis, ingênuas, criadas pela cultura de rebanho, pela moda, pela publicidade voraz, e que finalmente nos derrubam sem remissão. Todos os jornais divulgaram. A televisão filmou uma portinha fechada na segunda-feira à tarde. Essa portinha dá vazão a uma casa pequena construída no fundo estreito onde funciona uma república. Nestes dias havia pelo menos vinte pessoas hospedadas (a notícia fala de vinte e cinco). Vi, várias vezes, aquela porta trágica se abrindo, saindo de lá moças e rapazes como saem formigas quando se mexe num formigueiro. Abandonavam-se mal acomodados na rua, prematuramente vencidos junto à fiel companhia de uma geladeira de isopor cheia de bebidas, abraçados a uma lata de cerveja após outra garrafa de vodka, a suprema diversão que proporciona o carnaval de Diamantina. Desconheço se o proprietário tinha autorizado tamanha superlotação. Não posso saber se a república tinha alvará do Corpo de Bombeiros ou cadastro de Casa Legal. Pouco importa. O Selo Casa Legal foi mais uma burla da Prefeitura e de seus intrépidos especialistas en baderna legal. Não oferece vantagem nenhuma para proprietários de casas de aluguel. Não limita a capacidade de hospedagem das casas com parentes e amigos. Oferece, ingenuamente, garantia legal atraente para o rasteiro turista de barraca ou de república que vem motivado para curtir a ilegalidade. Sem divulgação paga na mídia importante, o Selo Casa Legal fracassou sem pena nem glória nos braços da própria mentira de turismólogos e politiqueiros, sem convicção nenhuma para aplicá-lo com rigor, impô-lo com força de lei e sim para oferecê-lo como dádiva para acalmar os ânimos de uns poucos terroristas dos direitos humanos.
(Acho que o proprietário da casinha foi descansar fora, como sugerem especialistas em turismo solidário. Se não gosta do carnaval de Diamantina, viaje, saia, esqueça, não estresse, não vale a pena, não precisa ficar aqui. O que vale a pena, dizem, são os 40 milhões que deixam os vândalos no fisco. Que alguém explique essa falácia mercantilista a moradores ingênuos e desprevenidos que foram enganados com falsas expectativas de aluguel de casas ou venda de bebidas e que, endividados antecipadamente, agora devem suportar os embates da frustração e da inadimplência.)
Diante de tanta crítica anunciada devemos fazer um elogio sem reparos: percebemos um meritório trabalho da turma de limpeza. Os foliões adoram se divertir na imundície, mesmo que preconizem a ecologia falsamente, pratiquem a coleta seletiva de lixo nas suas cidades de origem, e até respondam corretamente as perguntas da bíblia do ENEM. Diamantina –culta, precavida e acolhedora– não vai poupar o ambiente ideal para eles demonstrarem o que verdadeiramente sabem da preservação do meio ambiente natural e urbano. A equipe municipal de limpeza soube manter as ruas limpas dentro do possível, mas não vai tirar o mal cheiro que nos espera até redimir os pecados na Semana Santa, como Deus manda. Os méritos da limpeza provam, sem qualquer dúvida, que o carnaval de Diamantina está mais apto para receber 10.000 pessoas educadas que os ilusórios 80.000 foliões mal-avisados que o astuto pároco da prefeitura sonhou publicamente num seminário sobre o carnaval que não queremos e que sim merecemos.
Ano eleitoral. Lembrei da Pergunta de Jataí. Abril de 1955, Jataí, pacata cidadezinha no sertão goiano. A pergunta decisiva daquele rapaz corajoso que ajudou a mudar a história deste país. Respondida com idêntica coragem pelo candidato à presidência da Nação, Juscelino Kubistchek: "Farei a mudança e construirei a nova capital". Parafraseando aquele rapaz, hoje idoso corretor de seguros, vamos encarar o próximo candidato a prefeito municipal com a Pergunta de Diamantina: O SENHOR MUDARIA O CARNAVAL DO CENTRO HISTÓRICO?
Sobra pr os coitados como eu q moram em dtna e que quando ouve CARNAVAL lembram do horrores,a falta de respeito e etc criada pelos jovens...
ResponderExcluirCarnaval em dtna n tem mais o msm sentido,agora sao mais shows onde pessoas sem vergonhas se fantasiam com fantasia rídiculas e obcenas perdendo td o sentido q uma vez ja teve!!
Acho q pr parar com isso o carnaval daq primeiro tem q começar a dar prejuizo pr os vendedores,ai sim eles cairao a fixa e tentaram tirar esse dilema q se encontra...
Carnaval em dtna N É MAIS CARNAVAL,nem blocos mais tem,agora já é uma festa normal totalmente sem sentido...
Quero apenas demonstrar o veredito...n tenho nd contra o carnaval,apenas sou contra como geito q ele está sendo apresentado em dtna...