Autora: Adriana Netto Parentoni Parentoni
O que dizer da vida das pessoas se não fossem os encontros e os tantos outros desencontros, que faziam o que era certo parecer errado e o que era errado ficava às vezes tão estranhamente certo...
Elas se conheceram um dia, numa lanchonete de uma faculdade do interior de São Paulo e o tempo, a partir daquele dia, passou a ser contado de forma diferente, entre um café e outro, entre o desejo que uma tinha de ser mãe e o desejo da outra de continuar livre como estava... mas partilhavam o dom de ensinar e buscavam desenvolver-se na carreira docente.
Foram muitas e muitas xícaras até que o café da tarde foi feito na casa de uma delas e, mais uma vez, a conversa prosseguia tão animada, que elas não se deram conta que já tinha anoitecido. Falavam da vida acadêmica, das escolhas de cada uma, falavam de seus sonhos e depois de um tempo, partilharam a realização do sonho mais importante para uma delas, a maternidade.
A sonhadora mamãe, por problemas de saúde não poderia gestar seus próprios filhos e surgiu a idéia da adoção, mas a outra achava a idéia um tanto quanto estapafúrdia, afinal, para ela, era muito difícil criar alguém que não fosse concebido, que não tivesse um vínculo muito forte...Como saber a genética, a índole, as doenças que poderiam chegar...
Mas a que queria ser mãe, não pensou duas vezes, foi correndo a um advogado, esperta como era, se informou sobre todo o procedimento de adoção e entrou com o pedido formal menos de um mês depois que tinha conversado com sua amiga.
O tempo passou rápido e, um belo dia, a que queria ser mãe chegou sorridente como nunca, trazendo nos braços duas meninas gêmeas idênticas. A sua amiga, mesmo tendo participado de todo o processo, sempre achou tudo aquilo uma loucura, mas a coisa que já era complicada, parecia que tinha ficado bem pior, afinal, para ela um filho já era complicado demais, que dirá duas meninas de uma vez só...e mais do que isso, as gêmeas tinham apenas dois meses de idade!..
A mãe não cabia em si de tanta felicidade, já a amiga se sentia extremamente preocupada, pois pensava em como sua amiga iria fazer para criar as gêmeas, uma vez que o marido da amiga a tinha deixado recentemente, justamente por não concordar com a adoção. Sem a renda do marido a nova mamãe fatalmente passaria por muitas dificuldades, mas sua amiga ao ver sua alegria ao colocar cada uma das meninas no colo, percebeu que não havia mais o que ser feito a não ser cuidar daquelas duas lindas pequenas...
A amizade entre elas cresceu a tal ponto que além de dividirem o café resolveram dividir também a casa, pois assim pagariam um só aluguel e uma ajudaria a outra na criação das gêmeas. Tudo parecia na mais perfeita ordem. As meninas tinham crescido, estavam na escola e a mãe delas tinha que trabalhar por poucos anos antes de poder se aposentar, mas a amiga ainda estava batalhando um emprego que lhe desse melhores condições de trabalho e a tão sonhada e necessária estabilidade...por isso, a amiga fez um concurso para professora em uma Universidade Federal do interior e acabou sendo aprovada...
A partir daquele dia as amigas já tinham se tornado comadres e a alegria pela conquista deu lugar na cabeça da mãe adotiva das meninas a uma angústia enorme de perder a amiga tão querida... A que tinha sido aprovada no concurso também sofria, pois já tinha até batizado as meninas e via naquele arranjo familiar sua própria família. Ela não precisava mais de ter sua casa, ali, era sua casa e a amiga e suas filhas se tornaram com o passar do tempo a sua única e verdadeira família.
Secretamente ela pensava em como faria para não deixar todas ali sozinhas e partir rumo a uma cidade desconhecida, a um emprego que ela não tinha certeza se realmente seria o que ela imaginava? Como esconder o amor que sentia? Mas ela nada dizia. Esperava que todos dormissem e chorava copiosamente.
Numa manhã de sábado, a mãe das meninas entrou no seu quarto, quando ela fazia as malas e lhe falou, “olha amiga, não precisa de se preocupar comigo, pois vou me aposentar e em breve e levo as meninas para ficarmos juntas de novo!” O olhar triste de quem arrumava as malas se encheu de luz e de alegria.
A amiga se mudou para a outra cidade, tomou posse e começou a trabalhar. E talvez por não querer pensar tanto na falta que sentia da amiga e das meninas ela trabalhasse tanto! O trabalho por um ano foi seu grande aliado, além do celular e do computador, pois elas se falavam diariamente. E assim, entre trabalho e telefone um ano se passou até que em 2009, finalmente, sua amiga requereu a aposentadoria. Suas filhas ligaram para a amiga dizendo que queriam vir morar com ela, pois a casa sem ela era sem graça...e foram longas horas em conversas até que a mãe das meninas decidiu vir junto com elas para a nova cidadezinha.
A partir daquele dia, a vida das quatro parecia ter voltado ao que era. Outra vez iam juntas para os lugares, dividiam as tarefas da casa...outra vez tomavam seu café sagrado e cada minuto mais sentiam o amor entre elas crescer...crescer tanto que passaram a ser uma só família...um só coração e onde as duas meninas agora tinham na verdade mais duas mães...e foi assim até o início do ano de 2010, quando a mãe adotiva teve o diagnóstico de um câncer já em estágio avançado.
O mundo perfeito parecia desabar na cabeça da amiga. O que fazer agora, com duas crianças e com sua melhor amiga cada dia mais enferma???Como conseguir dinheiro para todas aquelas despesas? O que seria daquela família???E o trabalho, será que era isso mesmo que ela tinha imaginado???E antes que ela obtivesse qualquer das respostas a mãe adotiva das meninas morreu.
Naquele dezembro de 2010 a tristeza de um ano assistindo a deteriorização de quem ela tanto amava terminou. Ela percebeu que sua comadre tinha sido sábia o bastante para lhe deixar uma carta de intenção, onde dizia claramente, que queria que as filhas fossem criadas por sua amiga-comadre e não por seu ex-marido ou qualquer outro familiar.
A amiga que não pensava em ser mãe, tinha agora duas lindas filhas, cuja guarda ela só foi receber em 2012. A aposentadoria da mãe adotiva das meninas, que seria de grande ajuda nas despesas, nunca foi obtida e ainda assim, a foto das quatro estava no telefone da amiga, que sorrindo me dizia: “pois é, foi assim que tudo aconteceu...” e eu lhe respondi, “pois é, foi assim que eu conheci uma das histórias mais lindas de entrega ao próximo, de abnegação e, antes de tudo, de amor...e finalmente entendi porque elas sempre seriam mais do que simples comadres.
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