Autores: Eduardo Magalhães Ribeiro, Eduardo B. Ayres e Flávia M. Galizoni. Publicado no Boletim da UFMG, com dica do Blog Micuim.
Na última década, muitos programas sociais foram levados a regiões rurais mineiras: Bolsa-Família, Territórios, Minas Sem Fome e Leite Pela Vida. Ao mesmo tempo cresceu a atuação dos sindicatos de trabalhadores rurais e as aposentadorias se disseminaram. O Jequitinhonha recebeu parte desses recursos, que provocaram mudanças na região. A alimentação das crianças, os dentes dos adultos e a saúde da mulher passaram a receber mais cuidados. Aumentou o conforto das famílias rurais e mudaram os estilos de consumo.
O problema é que essas mudanças demoram a aparecer nas estatísticas macroeconômicas, principalmente porque se trata de população que vive da produção para autoconsumo, de direitos sociais e de trabalho temporário em outras regiões. Mas alguns estudos recentes e o Censo Agropecuário revelam bons resultados que essas iniciativas já produziram no Jequitinhonha.
Duas delas têm abrangência maior: aposentadorias e Bolsa-Família. Pesquisa do Projeto CNPq/MDA/ICA/UFMG na região revelou que três em cada quatro famílias rurais recebem o Bolsa-Família e que em quatro de cada 10 famílias existe pelo menos um aposentado. Esse número elevado de benefícios cria um fluxo contínuo de renda em dinheiro para famílias com acesso à terra. Muitas vezes o acesso é precário, mas geralmente assegura área mínima para produzir: 70% dessas famílias plantam para autoconsumo e 30% delas para autoconsumo e vendas. A combinação de renda em dinheiro com autoconsumo garante a alimentação e protege o patrimônio acumulado na labuta de lavoura e migração, que não será desfeito às pressas nos anos de seca.
Outra pesquisa do CNPq/ICA/UFMG na região revelou que a população rural que possui terras e é beneficiada por programas públicos consome alimentos de sua lavoura, trocados ou comprados nas feiras das cidades. Fazem em média quatro refeições diárias, classificadas por 88% das famílias como ótimas ou boas; 10% delas as consideram regulares e 2% as avaliam como ruins ou péssimas.
Programas sociais distribuem recursos principalmente para mulheres e idosos, que os gastam privilegiando a segurança alimentar, associado com o produto sem veneno vindo da roça. Por isso, os programas sociais fortaleceram mercados locais e a soberania alimentar, como revelou pesquisa da Universidade Federal de Lavras (Ufla): as feiras livres abastecem 28% da população do Jequitinhonha. O Censo Agropecuário de 2006 apontou que feiras absorvem grande parte da produção de maior valor agregado: 47% da farinha de mandioca, 48% da rapadura, 82% da farinha de milho e 61% do queijo e requeijão.
Também foram criados programas de apoio à agricultura familiar – Territórios Rurais, Aquisição de Alimentos e Minas Sem Fome – que facilitaram a entrada nos mercados e estimularam produção, beneficiamento, oferta e consumo local, “fechando” circuitos virtuosos de pequenos negócios. O programa Leite Pela Vida, por exemplo, compra leite de pequenos produtores da região com recursos federais e estaduais para distribuí-lo entre grupos fragilizados.
A combinação de programas aumentou o bem-estar e o consumo de bens duráveis na região. Dados comparados de 2000 e 2010 (CNPq/MDA) revelam que 95% das famílias rurais passaram a contar com energia elétrica, 82% com água e 64% com banheiro em casa. Esses indicadores cresceram em média 50% na década, mas em municípios como Francisco Badaró e Chapada do Norte a evolução ultrapassou 100%. Essa melhoria de qualidade de vida se deve também aos programas de convívio com o semiárido, que, em uma década, viabilizaram a construção de 300 mil caixas rurais de captação de água de chuva.
A pesquisa CNPq/MDA mostrou que existem fogões a gás e geladeiras em 80% dos domicílios rurais; automóveis em 15%; motocicletas em 50%. Em todas as cidades do Jequitinhonha existem lojas de eletrodomésticos; Lufa, distrito de Novo Cruzeiro, conta com 200 habitantes e duas dessas lojas; Vendinhas, povoado de Capelinha, tem revenda de computadores e casa digital.
As novidades não surgiram somente porque os governos investiram, e sim porque investiram com inteligência: conceberam programas na escala da família, da terra, dos circuitos locais de trocas, fortalecendo a agricultura tradicional. Ocorreu articulação entre estímulos à produção e ao consumo locais no apoio à pecuária, às feiras livres, à captação de água de chuva, à compra direta. Houve continuidade nos fluxos, objetivos e métodos dos programas e, por fim, uma sintonia, fina e republicana, entre os governos Lula e Aécio Neves.
Mas essas melhorias não se devem apenas à ação pública. A direção da maioria dos programas é partilhada entre governo e sindicatos, ONGs e agências religiosas, que adaptaram as iniciativas à realidade rural. Esse é o aspecto positivo.
Mas também há notas tristes na história. Uma: a incapacidade da maioria das prefeituras de se apropriar dessas novidades e criar programas. Outra: a insistência de órgãos públicos em manter programas “seus”, mesmo quando existem outros, bem-sucedidos, na mesma área e local. O Território da Cidadania seria uma boa ideia para resolver isso, se não fosse apenas uma boa ideia.
Resta saber se os avanços se sustentarão caso ocorram cortes de despesas e desaceleração da economia. Existem indicações de que não, pois as melhorias se apoiam em parte no gasto público e no emprego urbano para jovens migrantes. Mas existem indicações de que sim, entre elas a habilidade que as agências locais adquiriram para formular programas e a extraordinária capacidade demonstrada pelos camponeses de criar oportunidades a partir de recursos poupados nas conjunturas favoráveis
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