Texto: Fernando Gripp
Como morador de Diamantina, tenho ouvido com muita preocupação e tristeza nos últimos dias diversas manifestações de pessoas da cidade com pesadas críticas ao Festival de Inverno da UFMG. Alguns mais exaltados chegam a afirmar publicamente que, caso o festival continue acontecendo no atual formato, seria melhor que ele não fosse realizado na cidade. Questiono-me se realmente estamos em uma situação tão confortável para criticar e dispensar um evento historicamente tão importante. Sendo mais direto: será que estamos fazendo corretamente o nosso dever de casa? Ou como dizia meu pai “será que estamos com essa bola toda”? O que Diamantina e seus cidadãos estão fazendo pela cultura e arte da cidade? O que a cidade de Diamantina tem feito de forma concreta para receber e contribuir para o sucesso do Festival? O que o poder público e a iniciativa privada têm feito para apoiar esse importante evento?
Entramos hoje na segunda semana do Festival em Diamantina e me proponho a algumas reflexões sobre o evento. Não tenho procuração e nenhum vínculo com a organização do Festival para defendê-lo. Sou apenas um cidadão que, juntamente com a família, desfruta desse momento interessante da cidade. Mas quero apenas convidar o leitor para, a partir desse fato, discutir algumas questões importantes.
Entre outras, as reclamações que mais ouço estão centradas em três aspectos principais: falta de divulgação das atividades; a realização de espetáculos em locais fechados e com cobrança de ingresso; e por último a comparação com as atrações musicais mais famosas de outros festivais, principalmente o Festival de Ouro Preto e Mariana.
Em relação à divulgação acho que esse não é um problema do Festival, mas sim da cidade. Tenho a percepção de que o principal canal de comunicação em Diamantina ainda é o “boca a boca”. Várias vezes recebemos informações de eventos interessantes na cidade somente após o acontecido. Enfim, definitivamente não existe um veículo profissional de informação na cidade. Não há nenhuma publicação de jornal ou revista para divulgar de forma dinâmica as notícias e eventos da cidade, nenhum espaço para reflexões ou debates de idéias. Alguns dirão que me esqueci do Jornal Voz de Diamantina, mas vejo esse veículo como um caso especial, feito no sentido mais bonito da palavra “amador”. Isto é, um jornal feito com muito amor pelo incansável Quincas em defesa da causa do Pão de Santo Antônio. A Voz é um símbolo de resistência e luta por uma Diamantina arraigada às suas verdadeiras tradições e história. Porém, por suas especificidades e periodicidade não tem a agilidade e penetração em grande parte da população. Por sua vez, o poder público, mais especificamente a Prefeitura não tem um canal direto com a população. No início da atual administração foi feita uma tentativa de um informativo impresso que não se sustentou. O site oficial de Diamantina é lastimável enquanto veículo de comunicação e prestação de serviço à população e ao turista.
Não ouço muito rádio, mas acredito que esse canal ainda tem grande penetração na região. Eventualmente, no carro, tento sintonizar alguma música em nossas rádios, mas raramente consigo captar alguma coisa interessante. Mas gosto musical não se discute e é preciso respeitar a opinião dos outros. Algumas vezes ouvi o Programa Show da Tarde, conduzido de forma competente pela simpática Gilmara Paixão na Rádio Cidade. Na verdade, esse é um dos poucos espaços de reflexão e debate na cidade. Mas ainda é muito pouco diante do potencial informativo e transformador desse veículo de comunicação
Feito esse rápido panorama, voltamos ao foco de nossa discussão: como divulgar o Festival de Inverno da UFMG para um maior número de pessoas? Pessoalmente, acompanhei de forma bem próxima um caso muito interessante para a nossa reflexão. Pela segunda vez foi realizada dentro da programação do Festival de Inverno da UFMG a Colônia de Férias para crianças de 7 a 11 anos de idade. As atividades gratuitas foram desenvolvidas pelo curso de Educação Física da UFVJM e contou com a participação de 161 crianças durante quatro dias. A divulgação foi feita pelos alunos do curso de educação física que visitaram pessoalmente as escolas públicas da periferia da cidade. Nenhuma escola particular foi visitada. Como resultado dessa ação, ao analisar os bairros das crianças participantes, constata-se a presença predominante de regiões periféricas da cidade. Porém, para meu espanto, ouvi a injusta frase de reclamação: “na colônia de férias só participa criança rica”. Esse fato mostra que os organizadores têm essa preocupação em atingir um maior número de pessoas e o público mais carente. Portanto, verificamos uma distorção, uma falta de comunicação que poderia ser facilmente corrigida com uma maior aproximação e envolvimento da organização do Festival, poder público e a sociedade de um modo geral. Acho que é preciso ter mais cuidado para que problemas estruturais da cidade não sejam atribuídos injustamente à organização do Festival.
Também ouvi a seguinte crítica ao festival: “é um absurdo trazer o Grupo Galpão e colocá-lo em um teatro tão pequeno e cobrar ingresso”. O diamantinense já se acostumou a ver o Galpão, que é um dos grandes grupos teatrais do país, em praça pública. Porém, é preciso dizer que o espetáculo que foi apresentado é o mais recente do grupo e tem características mais intimistas e requer uma estrutura física compatível com espaços fechados. Mesmo assim, foram realizadas duas apresentações seguidas e segundo informações havia pessoas na porta do teatro vendendo ingressos que sobraram. Ressalta-se também que tivemos a oportunidade de assistir espetáculos de dois grandes grupos de teatro de rua: o Grupo Ser Tão, de João Pessoa-PB e os Clowns de Shakespeare, de Natal – RN. Enfim, o Festival de Inverno da UFMG é uma oportunidade única e fantástica de contato com esse tipo de manifestação artística. Precisamos ter cuidado para não escorregarmos para um discurso demagógico e populista de que todos os espetáculos devem ser gratuitos e na rua para garantir a participação popular. Em Diamantina, uma cidade historicamente dividida, há vários exemplos de eventos gratuitos que acontecem na rua e que não contam com a participação da popular. A própria Vesperata, que acontece na rua, está passando por um processo acelerado de distanciamento da população da cidade.
Por último, as invitáveis comparações com as atrações musicais de outros festivais. Em Ouro Preto e Mariana, por exemplo, aconteceram shows dos Paralamas do Sucesso, Beth Carvalho, Demônios da Garoa, Renato Teixeira, Otto, Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes dentre outros mais famosos. Porém, antes de fazer essa comparação é preciso verificar também o número de empresas que patrocinam aquele evento; é preciso verificar também de que forma a Prefeitura dessas cidades apóiam esses espetáculos; é preciso levantar também de que forma os empresários e entidades daquelas cidades dão suporte ao Festival. Além disso, historicamente, o Festival de Inverno da UFMG sempre teve uma vocação para o vanguardismo e experimentalismo quando comparado a outros eventos do gênero. Não é raro ouvir manifestações de artistas conhecidos que despertaram para a arte a partir das oficinas desse festival. Portanto, essa comparação é injusta e sem sentido, pois são objetivos e estruturas de apoio diferentes.
Não podemos ser ingênuos e achar que o Festival é perfeito, mas também não podemos ser injustos e atribuir somente aos organizadores do Festival as suas possíveis falhas. Essa é uma postura muito cômoda e destrutiva. Os nossos problemas de falta de comunicação, desmobilização popular e ausência de uma política de apoio à cultura não devem ser ocultados e transferidos. O que precisamos são ações propositivas, maior envolvimento e um verdadeiro comprometimento com esse importante evento. O essencial nós já temos que é a identificação histórica do Festival coma cidade, mas isso não é o suficiente. O Festival de Inverno da UFMG neste ano foi realizado em cinco diferentes cidades de Minas Gerais: Belo Horizonte, Diamantina, Brumadinho, Cataguases e Tiradentes. Minha preocupação é que na hora de avaliar e decidir os rumos do próximo festival esses aspectos sejam levados em consideração. Já não temos festival de Verão, Primavera ou Outono e, infelizmente, corremos o risco de termos que pegar a estrada no próximo inverno para ter o contato com esse incrível mundo das artes. Somos privilegiados, pois esse mundo que está aqui em nossas portas, basta andar alguns metros com as mentes e os corações abertos. Um evento que nos traz turistas qualificados e com poder aquisitivo, faz girar a economia, gera empregos, divulga a cidade e ainda traz cultura e conhecimento para o cidadão diamantinense.
Muito equilibradas as suas considerações com relação ao Festival de Inverno. Realmente Diamantina não pode perdê-lo no momento. No entanto vale um alerta de que precisamos "internalizá-lo" mais, tanto no sentido de assumirmos maiores responsabilidades na sua condução, colaboração e organização, quanto de aumentarmos a participação da população local, principalmente a classe menos favorecida. Quem sabe um dia teremos um festival UFMG/UFVJM? (obs: só não gostei mesmo da venda de ingressos do Grupo Galpão ter sido feita sem limite de ingressos por pessoa...minha família acabou sem conseguir ver tão bela obra, e eu soube que tinha até cambista na porta!). Um abraço. JM
ResponderExcluirEm relação ao jornal voz de diamantina, tb nao tenho permissao para denfender o Quincas, mas tenho certeza que ele ganha de muitos jornais comerciais de várias cidades. Aliás o Quincas não tem diploma de jornalista e nem precisa ter para escrever nao é mesmo? Bom, em relação ao programa da Gilmara Paixão, estou de acordo que em uma rádio o debate acontece com mais intensidade do que no jornal escrito (impresso). Outro ponto que não se justifica é realizar uma apresentação do Grupo Galpão dentro de um teatro que tem capacidade para 100 - 150 pessoas e ainda por cima PAGANDO. Festival para as elites? No que diz respeito ao refinado turista do festival, ou melhor o qualificado, como disse o Sr, o que eu vejo são apenas fumadores de maconha, na sua grande maioria... Não vejo lucro assim para o Comércio. O Sr diz andar de carro né? Sei que é professor da universidade e nao deve andar a pé. Pois bem caro amigo, ande pelos bairros, veja de perto o que a população sofre e não me venha dizer que nao escuta rádio, pois o Sr mesmo disse que escuta a Rádio Cidade. Ora, se escuta o show da tarde, escuta rádio. Mais respeito com o povo dessa cidade Doutor. Aqui não é Brogodó. E concordo com quem se exalta e fala que melhor que o festival nao fosse realizado aqui, pois se continuar assim no proximo ano estenderemos uma faixa: Não queremos Festival de Inverno minguado e me desculpe se meu letramento não é suficiente para escrever-lhe como o Quincas.
ResponderExcluirDeixo-lhe apenas duas perguntas:
O Sr não é nascido aqui?
O Sr sabe a diferença entre Diamantina e Ouro Preto? As duas são Patriminios da Humanidade. O recurso que se gasta lá com o festival é da UFMG ou seja, de quem paga seu salário: Nós! Por que a diferença nas programaçoes? Todas as edições do Festival de Diamantina do ano 2000 em diante foram péssimas, de mal gosto e nao contribuem para os pobres moreadores dos bairros dessa cidade que eu AMO. Aliás a Cultura mora justamente na periferia e não no Centro da cidade.
Falta de divulgação, espaço inapropriado para se apresentar um grande grupo teatral e atrações musicais e teatrais que não chamam a atenção do público. Quando as críticas são feitas por parte dos cidadãos diamantinenses, eles se referem ao que não atinge a MASSA, O POVÃO, O GRANDE PÚBLICO, aqueles que giram verdadeiramente a economia. O evento traz turistas qualificados e com poder aquisitivo e são pra eles que esse festival está sendo promovido. Estamos na segunda e última semana de um festival que deve ser organizado fora para se adequar à realidade da cidade, pois se bem entendo eles não estão na casa deles e sim na nossa.
ResponderExcluirPrezado Anônimo, Obrigado pelas suas considerações. Infelizmente você não se identifica para que eu possa chamá-lo pelo nome. Respeito sua opinião mas gostaria de esclarecer alguns pontos importantes levantados por você.Vamos lá:
ResponderExcluir1- Sou assinante do Jornal Voz de Diamantina e acho o trabalho de Quincas muito bonito e importante.Imagino como deve ser difícil fazer esse jornal semanal sem uma estrutura maior.
2- Tenho conversado com comerciantes que dizem que o Festival é o segunda melhor período para o comércio da Diamantina.
3- Eu disse não ouvir MUITO as rádios de Diamantina, mas ouço sim o que me agrada. Acho que as rádios daqui deveriam ser mais ecléticas, investigativas e abrir mais espaço para o debate de idéias.
4- Não sou de Diamantina,mas respeito e gosto muito da cidade. Por isso mesmo tento dar minha contribuição nesse debate.
5- Acho que o Festival deve ser para todos os moradores da cidade, sem nenhuma distinção.
6- Acho que o Festival de Ouro Preto é maior principalmente devido ao número de empresas privadas que patrocinam o evento.
7- A cultura não mora no centro e nem na periferia. Ela está no ser humano, no coração e na mente aberta das pessoas.
Grande abraço,
Parabéns, Gripp - boa análise! E qdo. ouço tais críticas rasteiras ao Festival, não posso deixar de me lembrar da frase: O crítico é um sujeito que pode até saber o caminho, mas não sabe dirigir. Ou aquela, se não me engano, do Millor:O crítico é um impotente que quer estragar o orgasmo alheio. Abraço.
ResponderExcluirPrezados Nativos, com eu. Após 11 anos de retorno do Festival, este é o primeiro que passo longe de Diamantina. Sim, ao longo desses anos, o FI vem perdendo força em oficinas e eventos. O que fizemos ou faremos para que isso mude? O que a cidade fará? O que o empresariado fará? O que o poder público municipal fará? O que podemos fazer em conjunto? Em que posso ajudar? Em que você, leitor, pode ajudar? O poder público municipal apoia o evento? Há suporte, logística, infra-estrutura, planejamento, organização, recurso humano para que este evento aconteça? Ora, são públicos distintos quantitativa e qualitativamente, entre os festivais mineiros. Cada macaco em seu galho. Se Maomé não vai à montanha...
ResponderExcluirFaçamos algo enquanto há tempo.
Abraço,
Vitório
Oi Fernando,
ResponderExcluirParabéns pela coragem de dizer a verdade!
Não acho que foi ofensivo, pelo contrário, demonstrou respeito e consideração com as personagens desta cidade.
A resistência não traz melhorias... E precisamos sim fazer a nossa parte para que possamos continuar com o festival aqui em Diamantina.
Não vi problemas com a divulgação, pois até programação escrita foi distribuída.
Quanto à qualidade dos eventos e artistas, acho que as pessoas precisariam participar antes de criticar... Os artistas podem não ser popularmente tão conhecidos, mas a qualidade é inegável.
Grande abraço,
Aos que de se rotulam entendidos no assunto, pergunto? Qual a solução para que o Festival atenda aos interesses do público interno e externo? Deixem de ser prolixos e invistam o tempo precioso na ampliação a inteligência coletiva, da contribuição mútua. Creio que a organização do Festival, em especial o Fabrício, também gostaria de saber... Qual é o Festival que queremos....?
ResponderExcluirInicio então minha fatia de contribuição:
Que tal educar, com antecedência, a comunidade diamantinense sobre o real proposito do Festival de Inverno da UFMG/Diamantina? Não acho que a intensão seja focar em Ouro Preto...são duas realidades distintas....
Será que a periferia de Ouro Preto também participa ativamente do Festival de lá (não estou me referindo aos mega eventos, e sim, às oficinas)??? Quem conhece sabe muito bem que não...
Anonimo, com certeza, educar a comunidade diamantinense é um canal. Agora, como deve ser feita? Quem deve puxar pra si tal responsabilidade? Há que se esquecer de Ouro Preto. Lá o Festival tem outro propósito. Como se vê, todas as opiniões são passíveis de análise. Não creio que nenhuma delas está rotulada de entendidos no assunto. São apenas sugestões e questionamentos a serem analisados.
ResponderExcluirCaro Fernando
ResponderExcluirNão me surpreendo nem um pouco quando me deparo com o seu texto. Raramente encontramos por aí depoimento com profundidade e largueza de visão tão grandes. Textos como esse são verdadeiramente mobilizadores das consciências e nos tocam o coração.
E alem disso, nos faz pensar em nossas "realidades" e locais em que vivemos, que não destoam muito da experiência Diamantinense.
Meus parabens pelo depoimento sincero e...longa vida ao Passadiço!!!