segunda-feira, 11 de junho de 2012

O encantado

Autora: Adriana Netto Parentoni Parentoni

Era uma época de ouro do jornalismo Mineiro. Roberto tinha se formado fazia pouco tempo. Tinha uma língua bem afiada e redigia como ninguém uma boa história policial, mas seus grandes problemas eram as mulheres e a boemia. Tinha sido recém contratado numa revista top daquela época chamada O Cruzeiro, que era uma espécie de mescla da revista Veja com a Caras, mas que tinha muito mais do que fofocas sobre personalidades...

As festas das Universidades Federais naquele tempo eram colossais. Elas eram o lugar perfeito para encontrar uma futura esposa ou mesmo arranjar algum emprego que melhor remunerasse. Roberto teve uma infância difícil e uma juventude muito humilde, mas sempre conseguia entrar nas melhores festas, porque, embora fosse muito pobre, tinha uma aparência de “bem nascido”, com aqueles enormes olhos azuis que conquistavam as mais recatadas senhoritas...além, é claro, da sua inseparável carteirinha de repórter da revista O Cruzeiro. Determinação era uma característica forte da personalidade do Roberto. Quando ele decidia algo, estava decidido e pronto, ninguém, nem mesmo os seus melhores amigos, conseguiam fazê-lo mudar de idéia.

Roberto sempre fora boêmio... e não se importava com o tipo de bebida que iria consumir, mas sim, com a quantidade, que normalmente era sempre muito, muito, grande! Por incrível que possa parecer na maioria das vezes, ele carregava os companheiros de volta para a república onde morava e os colocava para dormir, para logo em seguida, voltar aos bares e bordéis...

O tempo foi passando e ele começou a perceber que a maioria dos amigos já tinha se casado e pensou que ele também deveria fazer o mesmo. Tinha finalmente que criar sua própria família e se firmar na sua profissão, mas no seu íntimo existia uma dúvida quase paralisadora, pois se ele se casasse a vida desregrada que levava deveria ter fim e ele não estava tão certo se seria feliz de outra forma... Em outras palavras, ele era feliz demais daquele jeito! Vivendo perigosamente e amando loucamente...

Passaram-se alguns anos e muitos bailes de gala da Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto, a popular UFOP, até o dia da famosa festa do doze. É que no dia 12 de outubro, comemorava-se o aniversário da UFOP, com um baile simplesmente espetacular. Eram recebidas as personalidades da época, além dos seletos ex-alunos...

Em termos de “comes e bebes” aquela festa era praticamente insuperável. O traje a ser usado era de gala completo, mas para a sorte de Roberto, desde aquela época, já havia lojas de aluguel de roupas. Se bem que ele costumava pegar as dos amigos mais abastados emprestadas, pois assim economizava também no aluguel!

Aconteceu certa vez, que numa destas festas do doze, Roberto se aprontou de forma diferente. Passou perfume importado roubado do vizinho de quarto. Resolveu passar no botequim perto da sua ex-república para se encontrar com seus amigos antes de ir para o baile. Era o famoso “esquenta”, como eles diziam... Pois eles sempre começavam com a cerveja, depois pulavam para o rum, a vodka e normalmente terminavam mesmo na pinga!.. Quando as risadas já estavam com o volume bem aumentado, partiam a pé rumo ao baile, mas nunca comiam nada, para guardar a barriga para o que iriam encontrar na festa.

No piso de baixo, logo na entrada, havia naquele ano uma cascata de camarões enormes, coisa muito rara para eles que moravam no interior Mineiro... e eles não tiveram dúvidas! Pegaram suas taças repletas com champanhe importada e se dirigiram para a lateral da referida cascata. Devoraram em poucos minutos um sem número de camarões, tendo o cuidado de manterem as mãos limpas para poderem cumprimentar aqueles que chegavam ao baile, especialmente as belas senhoritas. Mas deixaram a lateral do arranjo completamente vazia!

Roberto estava saindo há algum tempo com uma moça muito bonita e finíssima e embora ele soubesse quase tudo sobre seus pais eles ainda não tinham sido apresentados a ele. Ele sentia que talvez fosse ela a senhora do seu coração e pela primeira vez pensava em ter um relacionamento sério e porque não se casar... Quem sabe conhecendo seus pais naquela noite de gala ele até poderia pedir-lhe a mão em noivado? Mas não tinha comprado nenhum anel... portanto, abortou a idéia do noivado para aquele momento, contudo, sem que a tivesse deixado completamente de lado!

Pois bem, naquela festa quando deram 10 horas da noite a sua namorada entrou no baile. Ele ficou novamente admirado por sua beleza e logo lhe ofereceu seu braço direito para juntos subirem as escadas que levavam ao segundo andar... Ainda no segundo degrau da escadaria ele perdeu discretamente o equilíbrio, mas o recobrou ainda a tempo e neste momento avistou, no topo da escada, uma senhora vestida de forma espetacular e igualmente ostentosa, com o colo coberto de jóias e as mãos com anéis das mais diversas pedras preciosas. Secretamente ele pensou: “tomara que ela não seja a mãe da minha namorada” e prosseguiu subindo a escadaria.

Sua namorada distribuía sorrisos como sempre, mas olhava muito fixamente para um senhor de fraque que estava ao lado daquela senhora bem vestida. Já no último degrau ele pensou novamente: “bom, se forem eles os pais dela realmente as minhas chances de me casar com ela ficam muito pequenas, porque não permitirão que um pé rapado como eu despose sua filha tão linda e rica!!!”

A subida do último degrau para ele demorou uma eternidade e quando chegaram ao topo, não deu outra, a namorada lhe fez um gesto delicado apontando para a direção do casal recatado. Antes mesmo que ela dissesse que aquela era sua mãe e que o senhor de cabelo grisalho ao lado dela era o seu pai, Roberto quis se antecipar e tomando a mão da futura sogra, lhe fez uma reverência, abaixando-se, para em seguida beijar-lhe a mão.

Porém, antes mesmo que erguesse novamente sua cabeça, no momento em que lhe falava; “muito prazer minha senhora, sou Roberto e estou encantado em conhecê-la!”, Ele não conseguiu segurar o vômito e todos os camarões parecem ter saído de uma única golfada. Os anéis da senhora ficaram cobertos de bigodinhos, rabinhos e patinhas de camarões e a saia do seu vestido incrivelmente branca e ricamente bordada ficou coberta de uma mistura rosada pegajosa.

Roberto tentou ainda se desculpar junto ao marido da senhora, que o olhava com olhar de desprezo, mas realmente não tinha como permanecer naquele baile. A namorada horrorizada foi rapidamente com a mãe ao toalete, para pelo menos tentar retirar tudo aquilo de cima dela. A futura sogra ficou tão surpresa com o ocorrido que não foi capaz de emitir um único som... Ela fez apenas uma careta horrível usando todos os músculos do rosto já flácido pela idade. Roberto despediu-se da futura esposa e percebeu que realmente não poderia viver aquele grande amor que, até aquele momento, tinha sido realmente encantado!

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