sábado, 16 de julho de 2011

Respeitando o passado e olhando para o futuro

Texto: Fernando Gripp – publicado  no Jornal O Diamante – Associação Comercial de Diamantina – Junho/Julho 2011

Não espere nesse texto nenhum tipo de informação sobre técnicas comerciais ou estratégias empresariais. Minhas observações não partem de nenhum tipo de embasamento científico ou de dados de pesquisa de mercado, mas são feitas a partir da perspectiva de que está do outro lado do balcão. Sou um consumidor, especificamente um cliente que morava em uma grande cidade como Belo Horizonte e que nos últimos quatro anos está tendo oportunidade de estar em contato e criar relações com os comerciantes e empresários de Diamantina. Meu objetivo é contribuir com as discussões, a partir da perspectiva de um “estrangeiro”, sobre os pontos positivos que aqui encontrei e apontar críticas e sugestões construtivas para alguns aspectos possam ser melhorados nessa relação.

Nas grandes cidades, onde o ritmo de vida é mais acelerado, temos percebido cada vez mais o crescimento da cultura dos centros de compra (shoppings) e o forte investimento na profissionalização e padronização do atendimento e da prestação dos serviços. Como conseqüência desse ritmo e dessa racionalização as relações tornam-se mais formais, impessoais e superficiais. Em Diamantina esse processo de profissionalização e padronização é ainda muito tímido e incipiente. Por se tratar de uma cidade pequena, cujo ritmo de vida ainda é menos acelerado, as pessoas se conhecem e se encontram com maior facilidade, permitindo construir laços mais estreitos e informais com o próximo. Paradoxalmente, talvez sejam justamente essas características que explicam o que tem de melhor e o de pior no comércio da cidade.

A proximidade e a informalidade com cliente incorporam um aspecto positivo nas relações. O consumidor gosta de sentir-se especial, pois é agradável a sensação de ser recebido e atendido por alguém que nos conhece e tem a iniciativa de nos servir bem. São vários os exemplos que temos no cotidiano que demonstram essa relação de confiança e proximidade: o garçom do restaurante que já sabe como gosto do meu prato preferido; o verdureiro que espontaneamente entrega em minha casa uma alface fresquinha que acabou de chegar; o embalador do supermercado que já sabe que sempre transporto minhas compras em caixas; o vendedor de gás de cozinha que troca o botijão em minha casa e depois passa lá para receber o dinheiro. Essas são apenas algumas das muitas situações que cativam o consumidor e que na maioria das vezes seriam impensáveis em uma grande cidade. Assim, essa relação mais descompromissada, baseada na confiança, é uma das características mais interessantes que aqui encontrei.

Contudo, por mais incrível que pareça, essa informalidade, positiva em determinadas situações, pode em outras explicar a grande reclamação do consumidor: o amadorismo no atendimento e a falta de comprometimento e de treinamento na prestação de serviços. Alguns relatos cotidianos comprovam esse aspecto de acomodação: compra-se um produto e recebe outro, prazos não são cumpridos, serviços contratados não honrados, falta de produtos, pouca variedade, improvisação nas instalações, descuido estético com o estabelecimento, horários inadequados, desatenção com o cliente e outros. Enfim, constata-se a ausência de profissionalização e padronização de produtos e serviços que, em algumas vezes, se manifestam pelo descuido e certo descompromisso com o cliente. Surge, então, uma situação paradoxal: aquele mesmo consumidor que gosta de ser atendido com aquela tradicional informalidade diamantinense também reclama do atendimento ruim e do amadorismo consequentes da falta de racionalização, profissionalização e padronização dos processos.

Acredito que a solução para esse impasse seja a busca do equilíbrio entre a tradicional e o moderno, entre a informalidade e o profissionalismo, entre o tratamento pessoal e o padronizado. Certamente a forte tradição do comércio diamantinense foi construída sob a influência histórica das relações estabelecidas durante o período de exploração dos diamantes e do abastecimento pelos tropeiros. Essa cultura não pode ser negada e desprezada, pois é rica e um diferencial. Contudo, a realidade agora é outra, surge um novo quadro onde a vocação para o turismo e a consolidação da cidade como pólo universitário colocam outros desafios.

Chegam à cidade novos consumidores, com novos hábitos e costumes, que demandam novos produtos e serviços. Vindos dos mais diferentes pontos do Brasil, esse consumidor é exigente, bem informado, consciente de seus direitos e ao mesmo tempo disposto a pagar um preço justo por bons produtos e serviços. Não podemos nos esquecer do importante papel que a as novas tecnologias de comunicação, especialmente a internet, têm na disseminação das informações sobre preços, produtos e direitos do consumidor. Esse novo consumidor, juntamente com sua família, traz para Diamantina novas demandas e, consequentemente, grandes oportunidades de bons negócios. Esse novo cliente não quer somente um produto, ele quer também sensações, experiências e conceitos. Por exemplo, um turista ao procurar um restaurante não quer somente comer um prato de comida, mas também deseja uma experiência agradável. Ele quer respirar a rica cultura e a história de Diamantina, juntamente com cheiros, sabores, bom atendimento, conforto e um ambiente de bom gosto. Acredito que esse novo conceito pode ser aplicado a qualquer outro tipo de estabelecimento, tais como pastelarias, papelarias, peixarias, locadoras de vídeos, sapatarias e muito mais.

Alguns empresários diamantinenses já perceberam essa mudança e trabalham para se adaptar a esse novo quadro. Há bons exemplos onde o tradicional e moderno convivem de forma harmônica e eficiente. Mas ainda há aqueles que não entenderam a importância da tradição e nem incorporaram o lado bom da modernidade. Um exemplo desse desequilíbrio é a insistência de certos empresários que colocam placas publicitárias que descaracterizam completamente a rica e singular paisagem do centro histórico. Há também aqueles que ainda insistem em não incorporar a tecnologia das máquinas de cartão de crédito ou débito. Valorizar as tradições a partir de uma linguagem moderna é o grande desafio atual. Para vencê-lo é preciso investir no treinamento de mão de obra especializada, em melhores condições de trabalho, em pesquisa de mercado, em informação, na infra-estrutura física, na seleção de bons produtos, no cuidado com pequenos detalhes, na busca por preços competitivos, no bom gosto estético do seu estabelecimento e na incorporação de novas tecnologias.

Esse processo de mudança será gradual, mas inevitável. Estará à frente dessa transformação o empresário visionário e ousado o suficiente para ocupar novos espaços e criar novas demandas. Vivemos um momento de mudança de paradigma, uma chance para que tenhamos cada vez mais em Diamantina consumidores satisfeitos e uma classe empresarial mais forte e bem sucedida. Enfim, as boas oportunidades de grandes negócios estão aí colocadas, mas somente para aqueles que respeitam suas tradições e que também tenham um olhar voltado para o futuro.

4 comentários:

  1. Imagine depois de um dia inteiro de trabalho, cansado, ir ao supermercado cordeiro do Bairro Rio Grande fazer compras, passar no caixa e a atendente pedir para PASSAR O CARRINHO PRA FRENTE! Esse absurdo acontece. Sou cliente ou funcionário? Tenha dó! Mas é como digo, a culpa não é de quem pede esse absurdo, mas sim de quem orienta os empregados a agirem assim. Dona Nonoca, personagem de Eunice Bráulio na série A CURA, retratava o tipo de atendimento que é recebido pelos clientes em Diamantina.

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  2. Fernando, obrigado pelo comentário.
    Realmente vivemos algumas situações inusitadas em Diamantina. Conheço muitos casos absurdos e at'e mesmo engraçados que poderiam ser listados aqui.Precisamos evoluir muito nesse sentido.

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  3. Olá Fernando,

    Acompanho sempre o seu blog e percebo suas preoucupaçãoes com a nossa querida Diamantina.
    É muito inportante um espaço com esse para debate e opinões, mas nossa contribuição pode ir mais além.
    um grade abraço e continue sempre zeloso com o Passadiço Virtual.

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  4. Acho muito legal esse seu texto, pelo fato de refletir de forma bastante fiel algumas impressões que tive na convivencia com Diamantina durante minhas idas à essa aprazível e belíssima cidade.
    De forma semelhante ao Fernando, tb. me desloquei de BH há algum tempo, para uma cidade de Minas (Caxambu, no Sul de Minas, onde moro atualmente). Diria que praticamente todas as situações descritas tb. experimento por aquí. Fica então a pergunta: Será que isso é mais comum do que pensamos? Pois estamos em regiões bastante diferentes no que toca às características culturais e influencias na formção de seu "ethos", sendo que o que se assemelha nos dois casos é a vocação turística, embora de características diferentes.
    Sugiro, como o Fernando sabiamente preconiza o "casamento" entre o tradicional e o "moderno" como forma de aprimorar es relaçoes entre nós, consumidores e aqueles que se dedicam aos diversos ramos de atendimento.
    Temos, o SEBRAE que faz um excelente trabalho de apoio, formação e informações nesse sentido, alem das tecnlogias de comunicação que muito podem contribuir para esse apefeiçoamento tão desejado; e necessário!

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