Fonte: Descubraminas
Autoria: Ignez Biagioni
Quando eu era criança, não havia ainda esse negócio de capela própria para velório; defunto era velado em casa mesmo, o caixão sobre a mesa da sala de jantar, enquanto as pessoas, comiam, bebiam e conversavam espalhadas pelo quintal.
Dona Quitéria era das primeiras a chegar em qualquer casa enlutada, mesmo que o falecimento houvesse ocorrido em local distante da casa dela. Parecia que tinha faro para a coisa. Ia chegando, se oferecendo para preparar o corpo, providenciar flores, avisar o padre. Ela passava a noite com a família, recebia as visitas, servia as bebidas, ajudava a preparar a comida. Diziam as más línguas que uma boa parte dos alimentos era desviada para uma enorme sacola que ela carregava; diziam que era assim que ela sustentava os seis filhos e o marido entrevado. Mas os parentes, geralmente aturdidos pelo impacto da morte, ficavam sempre muito agradecidos a ela pela ajuda.
Certa vez, o falecimento ocorreu de madrugada. Dona Quitéria chegou de manhãzinha;encontrou o corpo já vestido, colocado no caixão, mas ainda no quarto. A família se atropelava na pequena sala, sem saber se a velha mesa de jantar, com as pernas um pouco bambas, suportaria o peso do caixão.
-É melhor tirar, colocar outra, essa mesa vai quebrar – disse uma vizinha.
-Que nada, ela agüenta bem, vamos preparar essa mesmo, pega a toalha branca rendada – retrucou a filha mais velha.
-E se a gente encostar a mesa na parede? Fica mais firme - a outra filha sugeriu.
E a mesa era carregada de um lado para outro, de acordo com as opiniões que iam surgindo.
Dona Quitéria chegou na sala no auge dessa discussão; aflita, preocupada com a parte que mais a interessava, não entendeu direito do que se tratava, e foi tratando de dar a sua opinião bem alto:
- Gente, não precisa de mesa não, a gente faz o prato lá na cozinha mesmo...
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