Autor: Dario Magno de Miranda Maia
Era uma vez uma comunidade que decidiu acreditar nos seus sonhos, se organizou, refletiu sobre sua realidade e começou a andar na direção de uma condição de vida melhor para seus moradores...
Infelizmente, este não é um conto de fadas, pois eles costumam terminar bem.
Mendanha, como todas as demais comunidades de Diamantina, incluindo sua sede, não desenvolveu, ao longo de sua história, uma cultura de participação, de atitudes cidadãs e de organização comunitária.
Nem era possível, já que nasceu de um projeto de exploração determinado pelas elites portuguesas e brasileiras, já subordinadas. Esta característica determina papéis sociais bastante definidos: de um lado, os que detem o poder da exploração - e, desde aquela época, todo o seu séquito burocrático, com seus pequenos poderes -, e, de outro, os escravos, que dependem, em tudo, dos seus senhores, até do privilégio de continuarem vivos.
Num contexto como esse seria difícil esperar o desenvolvimento de outra cultura que não a de submissão. Aqueles que não aceitavam esta condição, fugiam para os quilombos. Infelizmente, ao longo dos séculos, até estes quilombos, outrora guerreiros, foram sucumbindo à dependência do Estado. Alguns estudiosos dizem que, para isto, basta, ao longo de muitas gerações, dificultar aos pobres o acesso às políticas públicas, principalmente à educação.
Mas um grupo de moradores, há cerca de 5 anos, resolveu mudar esta história e partiu para um trabalho de sensibilização, mobilização e organização do Mendanha. Nasceu, assim, , em 2006, a Associação dos Moradores e Amigos do Mendanha - AMA ME.
Com todas as dificuldades inerentes à construção de um projeto participativo, em uma comunidade deste tipo, as pessoas que acreditaram nestes sonhos se lançaram na estrada, que começou pela construção de sua sede. Com o apoio de ONGs francesas e da Prefeitura, este primeiro sonho se fez realidade.
O segundo sonho era envolver a comunidade na discussão de seus problemas e de suas possibilidades e construir coletivamente os caminhos da superação. Em uma reunião com grande participação comunitária, foi realizado um diagnóstico da comunidade, levantando seus problemas e suas potencialidades. Criou-se, então, alguns grupos temáticos para pensar e organizar soluções e avanços.
Simultaneamente a este processo, ocorriam as últimas eleições à prefeitura do município. A nova administração, numa atitude pioneira, e altamente positiva, percorreu os distritos se apresentando e expondo seus projetos. Entre estes, o de fortalecimento das gestões distritais e do acesso das mesmas às políticas públicas locais, por intermédio de uma estrutura descentralizada e democrática de administração distrital.
Para nós, foi como jogar sapo dentro d’água, como se diz por aí. Para uma comunidade que recentemente definira uma série de ações que deveriam ser negociadas com a administração municipal, receber esta mesma administração propondo uma gestão participativa do nosso distrito, foi como se uma varinha de condão transformasse sonhos em realidade.
Este era o nosso sentimento e fomos atrás dos resultados. Mas tínhamos plena consciência de que não estávamos sozinhos no município e que nossas dificuldades e necessidades não eram as únicas a necessitarem de decisões da administração.
Por isto sempre deixamos muito claro a ela que, na realidade, o que precisávamos, era, apenas, de sentarmos com os responsáveis por cada setor envolvido em nossas demandas e PLANEJARMOS as soluções para quando fossem possíveis. Para uma comunidade que sempre viveu das esmolas do poder público e das oligarquias políticas locais - com seus projetos de poder particulares, onde se misturavam o público com o privado -, já era um grande avanço definir, coletivamente, participativamente, democraticamente, com o poder público, horizontes de soluções.
A primeira experiência foi altamente positiva. Em menos de dois meses conseguimos discutir, no grupo temático ambiental, nossa maior prioridade – a inexistência da coleta municipal do lixo -, sentarmos com o Secretário de Meio Ambiente, e acharmos um caminho para termos coleta uma vez por semana. Com responsabilidades distribuídas entre a administração e a comunidade. Nosso lixo, ou era jogado no rio, ou se espalhava pela comunidade, até alguém por fogo nele, com todas as nefastas consequências de ambas.
Ficamos eufóricos, imaginando que não haveria maiores dificuldades para negociarmos as soluções de outros problemas: falta de calçamento nas ruas, becos e largos, vários sem iluminação; pontes sem nenhuma manutenção há vários anos, com os problemas e riscos que este desleixo acarreta; falta de segurança policial, facilitando a vida de traficantes e visitantes sem respeito pelos moradores; dificuldade de gerar de ocupações produtivas e de rendas locais; infância e juventude sem grandes perspectivas, sem grandes ocupações, convivendo com traficantes de drogas e gravidez indesejadas; reduzidas opções de instrumentos públicos de lazer – e em péssimo estado - para as diferentes faixas etárias, sendo totalmente inexistentes para os de terceira idade, entre vários outros.
Ou seja, nada muito diferente da grande maioria das comunidades rurais brasileira.
Mas, infelizmente, a realidade se mostrou menor que a esperança. O projeto político de descentralização distrital não foi à frente por absoluta miopia política da maioria dos vereadores e de partidos locais que, como sempre, colocaram seus interesses pessoais/partidários acima dos interesses das comunidades dos distritos. A elite local nunca conseguiu enxergar além de seu próprio umbigo, de seu pequeno projeto de poder, o qual é estritamente classista e urbano. Isto por um lado.
Por outro, a crescente incompetência dos gestores municipais.
No caso específico da Secretaria de Obras, por cujo setor passa a maior parte das soluções das nossas dificuldades, passados mais de dois anos após a posse, e já no terceiro Secretário, sequer conseguimos nos reunir com qualquer um deles - e não foi por falta de tentativas – para, efetivamente, discutirmos nossas propostas. Como já dissemos, nosso objetivo sempre foi transformar estas propostas em projetos e, se possível, executá-los com verbas do orçamento municipal, mesmo ao longo dos anos. Onde não fosse possível, unirmos forças para buscarmos verbas na esfera estadual e federal.
Um destes projetos era o de reformar um dos acessos à comunidade, de terra, com obras bastante simples, para que o mesmo pudesse suportar os períodos de chuva sem se deteriorar a tal ponto que praticamente inviabiliza a passagem por ele, prejudicando a maioria dos nossos moradores, que tem acesso motorizado às suas casas por intermédio deste acesso. E isto antes das chuvas de 2009. Até hoje nada, nem informando que a ponte sobre o córrego Mendanha está com sua base toda comprometida.
Por falar em ponte, temos uma passarela sobre o Rio Jequitinhonha, que liga os dois lados da comunidade. É isto mesmo, uma ponte sobre o córrego e uma passarela sobre o rio. Esta, feita de pranchões de madeira, o ano passado estava com vários deles quase caindo, com risco extremo às pessoas, que são obrigadas a atravessarem-na várias vezes ao dia. Risco maior ainda à noite, pois a mesma, com mais cem metros de comprimento, não tem nenhuma iluminação .
Após reiteradas solicitações para que a Prefeitura recuperasse pelo menos os pranchões deteriorados, o mesmo foi, finalmente conseguido, depois de mais de um mês solicitando. Acho que foi apenas coincidência este fato ter acontecido depois de dizer à assessora do Prefeito que, já que eles não fariam a obrigação deles, iríamos chamar os bombeiros para interditar a passarela. Mas, enfim ...
No caso da Secretária de Promoção Social, mesmo após várias tentativas, também não conseguimos sequer marcar uma data para trazê-la até nossa comunidade, reuní-la com o grupo temático, e proceder à nossa prática: transformar coletivamente propostas em projetos e negociar sua execução ao longo do tempo. Neste tema entravam a questão da juventude, dos idosos e, entre outros, mas não menos importante, buscar uma solução para os nossos estudantes que frequentam escolas à noite em Diamantina, em sua maioria estudantes de cursos superiores.
Estes, obrigados a pegarem carona na estrada – e nem sempre conseguirem e, aí, perderem as aulas -, não conseguem entender porque os municípios vizinhos tem todo o apoio de suas prefeituras, inclusive com ônibus para o deslocamento dos mesmos, e assistir nossa prefeitura colocar todos os empecilhos possíveis para isto, dando todas as desculpas possíveis. Uma delas: “não se encontrou ainda uma saída jurídica para este gasto”, como dito pela assessora do Prefeito. Como dizia minha mãe, e minha vó antes dela, ”são desculpas esfarrapadas”.
Mas, como não sou especialista nesta área, acredito que deva ser porque a legislação sobre uso de verbas públicas –que é federal – tenha aplicação diferenciada em nosso município, relativamente aos milhares de outros municípios brasileiros, cujas administrações, por vontade política de possibilitar o acesso à educação, mesmo por estudantes de outros níveis que não o básico e secundário, viabilizam formas jurídicas para conseguí-lo. Vai ver que todos eles estão errados e só nossa administração esteja certa.
Mas aí, fica mais difícil de entender, pois o próprio Prefeito, em reunião na comunidade, disse que seria possível e que a Secretaria de Promoção Social teria como fazê-lo, contratando os estudantes para trabalhos sociais na própria comunidade. Com o pagamento pela prestação dos serviços e uma ajuda da Prefeitura, eles bancariam o custo da contratação do ônibus. Mais complexo ainda se torna de entender quando a nossa própria Associação recebeu uma proposta de uma instituição ligada à Prefeitura, com as mesmas restrições legais, propondo um convênio através do qual lhe seria repassada uma verba a ser utilizada para a contratação de uma pessoa específica. Pois é, se vocês não entenderam, nem eu.
Bem, pela minha experiência de vida pública, desculpas jurídicas sempre são usadas quando não há vontade política de resolver. Quando esta vontade existe, as possibilidades sempre aparecem, ainda que, para isto, tenha que trocar os jurídicos burocratizados.
Até na questão do lazer encontramos dificuldades. A nossa Associação, por seus próprios contatos, conseguiu, no ano passado, uma verba de emenda parlamentar, através de uma deputada estadual amiga do Mendanha, para ser usada na reforma de nossa quadra esportiva. Esta, a rigor, deveria até ser interditada pelos órgãos de proteção à vida humana, pela sua precariedade.
Por questões eleitoreiras, esta verba, que seria repassada diretamente à Associação, o foi através da Prefeitura. Primeiro que, para conseguir que a prefeitura enviasse o Projeto, para garantir a verba, já foi um suplício. Além de nos fazerem sentir como se nós os estivéssemos atrapalhando e, eles, nos fazendo um tremendo de um favor.
Segundo que, na urgência, o projeto foi como de construção e não de reforma de quadra. Mais uma volta no calvário, para poder mudar o objeto e viabilizar a obra. Se alguém souber quando isto vai acabar, por favor me avise, pois não tenho a menor idéia. O setor responsável trata a questão de forma absolutamente burocrática - tem sempre outras prioridades, já fazem mais de 9 meses – e já estamos temendo até pelo cancelamento da verba, pois a mesma deve ter prazo para ser utilizada.
Por estas e muitas outras é que, neste grave momento mundial, onde tantas comunidades clamam por socorro, por estarem sofrendo com desastres naturais, Mendanha, cansada de esperar, clama por socorro, por estar sofrendo com um desastre político.
Seria ótimo se o socorro viesse da nossa própria administração. Só espero que não venha em formas de “desmentidos” e desculpas do mais variado nível, e sim em formas de datas de reuniões com os responsáveis por esses setores e outros que se fizerem necessários.
Dario Magno de Miranda Maia
Morador do Mendanha e um dos que, ainda, acreditam no sonho de que um outro mundo é possível.