Fonte: Zero Hora - Marcus Oreto - Folha press
Só mesmo a intimidade pessoal conquistada por Claudia Faissol – e seu entendimento profundo da personalidade do pai de sua filha – poderiam ter tornado possível a captação das cenas vistas no documentário, ainda sem título definido e sem previsão de estreia, que ela prepara sobre João Gilberto. O cantor, sabidamente arredio a qualquer tipo de registro extramusical, fala olhando diretamente para a câmera. Se esgueira às vezes, é verdade, mas deixa registrar seus comentários sobre os assuntos mais diversos.
As desavenças com a EMI, os cantores que admira (Orlando Silva, Lucio Alves e Dick Farney), as memórias do período em que passou em Diamantina, nos anos 1950, desenvolvendo a batida de violão que o tornou o criador da bossa nova. Há muito humor. João não quer falar e faz brincadeiras para a câmera. Responde algumas perguntas sem dizer coisa nenhuma, apenas enrolando as sílabas sem formar palavras. Em outras vezes, diz apenas que não sabe o que responder – mas faz isso cantando sobre melodia improvisada, sorrindo e dedilhando o violão.
Há cenas de João assistindo à televisão, tomando café, recebendo os – poucos – amigos em casa. Claudia acompanha as turnês desde 1999 – dentro e fora do Brasil. Conseguiu convencer João a se deixar filmar pela primeira vez durante um show no Uruguai, em 1999. De lá até aqui, contabiliza cerca de 20 concertos registrados – muitos bancados por ela mesma, usando “um dinheiro que meu avô me deixou”.
– João não gosta que eu peça ajuda – conta.
Também seguiu com o cantor para Salvador e o filmou amanhecendo diante do mar, tocando violão. Na Bahia, registrou o reencontro de João com a babá, o irmão, a irmã.
– As pessoas chegam perto dele e nem falam. Veem ele e choram – ela conta. – Meu testemunho é muito valioso porque é filmado e vai virar o testemunho de todo mundo.
Para além do campo pessoal, o documentário é rico por trazer João interpretando canções que nunca gravou em disco. Registra os “estudos” do artista do repertório que entraria em disco recente – projeto que, segundo ela, foi abortado.
Estão registradas interpretações para sambas da antiga como Coqueiro Velho (Fernando Martinez Filho/José Marcilio), Louco (Wilson Batista) e Deus Salve a América (Irving Berlin/Braguinha).
As imagens podem não ter lá grande qualidade técnica, mas o valor do que documentam é incomensurável.
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