Autor: Carlos Herculano Lopes, no Estado de Minas - 09/04/10
Há poucos dias, na fila do supermercado, ouvi quando uma mulher bem velhinha, dessas que ainda usam coque e xale, respondeu à outra, que queria saber de onde ela era:. “Sou de Casa de Telha, mas vim de lá muito nova”. Nos instantes seguintes, quando saí, voltou à memória, sem que percebesse, um já distante dia da infância, quando minha avó Almerinda me disse, na sala de sua casa: “Amanhã, filho, vou à Casa de Telha visitar a prima Naná. Você vai conosco para abrir as porteiras”. Conhecer aquela cidade, atual Serra Azul de Minas, no Vale do Jequitinhonha, onde, na minha imaginação, existia literalmente uma casa feita de telhas, era um sonho. Portanto, no outro dia, ainda escuro, já estava acordado, roupa trocada e bolsa pronta, esperando vovó. A felicidade era grande.
“Você vai adorar Casa de Telha, é um lugar muito bonito. Alguns parentes nossos nasceram lá”, ainda me lembro de minha mãe dizendo, enquanto me dava uns trocados para “as despesas” e fazia mil e uma recomendações. “E a casa, mamãe, é mesmo feita de telhas?”, perguntei, sem conter a curiosidade. Fazendo mistério, ela respondeu, depois de passar a mão na minha cabeça: “Você vai ver”. Instantes depois, ainda com o farol ligado, o jipe apontou na nossa rua. E lá fomos nós naquela viagem, que deveria durar, se não chovesse, umas quatro horas, ou pouco mais.
É bom que se diga: para aquelas bandas do Jequitinhonha, eu só havia ido na imaginação ou em histórias de alguns primos. “Você vai ver o Pico do Itambé, passei pertinho dele”, contou o Zé Garcia, matando-me de inveja, pois viajara ao Serro com o pai, meses antes. Quando lhe perguntei se havia conhecido a casa de telha, ele confessou, sem espichar conversa: “Passamos lá de noite, mas estava dormindo”. Na volta, com certeza, contaria a ele minhas aventuras.
Nos instantes seguintes, estávamos na estrada. Só de Coluna ao Rio Vermelho, fiz questão de contar, abri 26 porteiras. Mas sem nenhum problema. A poeira, que nos deixava quase sem fôlego, também não importava. Tudo valia a pena, pois estávamos indo para Casa de Telha. “Está longe, vovó?”, perguntei a ela, logo depois de atravessarmos a ponte do Cocais – rio de águas escuras, que, ao baterem nas pedras, faziam um barulho incrível. “Falta ainda um pedaço de chão, meu filho. Nem estamos na metade do caminho”, ela respondeu, e me deu uma bala de mel.
Chuparia várias outras até chegarmos ao nosso destino, já bem depois do meio-dia. A certa altura, do alto de um morro, vovó me disse, apontando: “Aquele lá é o Pico do Itambé, um dos mais altos de Minas”. Durante esse tempo, fora a parada no Rio Vermelho para fazer um lanche e ir ao banheiro, os pneus furaram duas vezes. Havia uma ponte quebrada e dois mata-burros caídos. Para a poeira, que entrava pelos nossos narizes e bocas, ninguém dava bola, pois fazia parte da viagem.
Na casa da prima Naná, prefeita de Casa de Telha, a hospitalidade foi total. Toalhas limpinhas para enxugarmos o rosto, água fresquinha no filtro, pois naquele tempo não havia geladeira, refrescos de várias frutas, toalha bordada na mesa – que, nem é preciso dizer, estava cheia de coisas gostosas. E histórias, muitas histórias que ela, vovó e outros parentes, que não conhecia, iam contando.
Num dos intervalos da conversa, enquanto mais cafezinhos e sucos eram servidos, virei para a nossa anfitriã e pedi: “Depois, tia Naná, a senhora me leva para conhecer a casa de telha?”. A risada em volta da mesa foi geral. Mas ela, com elegância, permaneceu séria. “ Esse é o nome da nossa cidade, meu filho.” E explicou: antigamente, no arraial, só existia um sobrado com telhado. Todas as outras habitações eram cobertas de taquara. Por isso o nome acabou ficando assim.
Era quase noite quando, depois das despedidas, pegamos o caminho de volta. Casa de Telha já estava na minha memória. Para sempre.
PS1: Esta crônica é pela lembrança de Maria do Amparo Lages de Aguiar, a Naná, e para Guilherme da Conceição Silva, em Serra Azul de Minas.
PS2: texto indicado pelo sempre atento Wellington Gomes
Nenhum comentário:
Postar um comentário