Por alguns momentos, andar a pé pelo centro histórico de Diamantina durante a Semana Santa foi uma experiência muito interessante. Sem carros e motos, a cidade entra em um ritmo diferente, assume um caráter mais comtemplativo e humano. Vi uma cidade mais leve, respirando tranquilamente.
Organizado de forma eficiente pela Igreja e Prefeitura, o controle de acesso dos veículos leva-nos à reflexão sobre as possibilidades e vantagens dessa restrição. Espero que os cidadãos tenham percebido as vantegens de tal medida. Em princípio, os comerciante$ provavelmente serão contra, mas as perspectivas a longo prazo são muitas. Acredito que o turista de cidades maiores, que vive no seu cotidiano o caos do trânsito, certamente se encantaria ainda mais com centro histórico fechado.
Já que a Semana Santa é um momento de reflexão, espero que essa proposta possa ser pensada e debatida pelo poder púublico e por todos que vivem nessa cidade. Certamente, se aceita e implantada, o patrimônio histórico e cultural agradeceria de bom coração.
Abaixo, trasncrevo um texto sobre nossas ruas publicado recentemente no Passadiço Virtual
Se essa rua fosse minha....
A toponímia é a área de estudo dos topônimos, ou seja, nomes próprios dos lugares, da sua origem e evolução; uma área da lingüística com fortes ligações com a história, a arqueologia e a geografia. Entre os topônimos mais comuns no Brasil destacam-se os de influência católica, relacionados aos santos, tais como São Paulo e Santa Catarina. Também são utilizados os termos referentes ao meio natural (Rio de Janeiro, Mato Grosso, Belo Horizonte, Recife) e aos pontos cardeais e de direção, tais como o Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte.
Ao consultar o catálogo de endereço de Diamantina nos deparamos com nomes de ruas, praças e, principalmente, becos que nos chamam a atenção. Certamente, são fontes riquíssimas para compreender a formação e desenvolvimento da cidade. Alguns merecem destaque pela originalidade: Amola Machado, Amontólia, Cangica, Casaca Parda, Enologia, Esmeril, Farinha Seca, Fintadouro, Mola Machado, 1000 Oitavas, Pataca, Quatro Vinténs e muitos outros. Encontramos também logradouros que prestam homenagem a importantes personagens da história da cidade e do Brasil: o poeta Aureliano Lessa, o Barão de Guacuí, a famosa Chica da Silva, o padre conservador Dom Geraldo Sigaud, os Presidentes Getúlio Vargas e JK, o músico Lobo de Mesquita, o Professor Aires, o maestro Pururuca, o jornalista Teófilo Otoni e muito outros.
Além de satisfazer a primitiva necessidade humana de nomear tudo aquilo que está ao seu redor, os topônimos revelam a identidade cultural de um povo. O resgate e registro das origens desses nomes seria uma fonte riquíssima para entender o cotidiano daqueles que ajudaram a construir esse lugar. São elementos essenciais para o entendimento do processo formativo inicial do Arraial do Tijuco e, posteriormente, a consolidação da estrutura urbana de Diamantina.
Na crônica “Diamantes ao cair da tarde”, publicada no livro “A chave do enigma” (1999), o escritor Fernando Sabino comenta as motivações históricas para a origem de alguns becos de Diamantina. Segundo Sabino o Beco do “Pinta Ratos” seria uma homenagem a um pintor que, para vingar-se de uma Irmandade que lhe devia uma certa quantia de dinheiro, desenhou vários ratos na sacristia da igreja. O Beco da Paciência também é citado no livro. A sua origem é explicada pelo fato do local ser utilizado pela população para despejo de lixo e pelos tropeiros qune ali satisfaziam suas necessidades fisiológicas; sendo, então, necessária muita paciência para atravessá-lo com segurança. Interessante notar que o Beco das Caveiras, também citado pelo autor, nos leva a uma dúvida, pois ao passarmos pelo local encontraremos uma placa indicando que o logradouro se chama Beco das Craveiras. Alguns moradores dizem que esse é o verdadeiro nome, pois ali existiam vários exemplares da planta herbácea Dianthus Caryophyllus, popularmente conhecida como craveira.
Algumas cidades já perceberam a importância da preservação da memória dos topônimos. Recentemente, a Prefeitura do Rio de Janeiro fez uma licitação para a colocação de placas em vários pontos da cidade. Além do nome dos logradouros, as placas trazem em sua parte inferior um pequeno texto sobre a origem do nome homenageado. São Paulo tem outro projeto interessante sobre o assunto. No site www.dicionarioderuas.com.br são disponibilizadas informações sobre a origem dos nomes das ruas da cidade e a sua evolução histórica. A Câmara de Municipal de Diamantina, que tanto aprecia os projetos para nomear logradouros, poderia se inspirar em iniciativas semelhantes para a cidade. Assim, poderíamos andar pela Rua do Burgalhau e saber que era a principal via de deslocamento para as lavras de diamantes e que também abrigou as primeiras casas do Arraial do Tijuco. Tal projeto talvez nos ajudasse a compreender os motivos pelos quais levaram Macau, atual região administrativa da República da China, a ser merecedora de dar nome a três importantes logradouros da cidade. Também poderíamos saber que operários viviam na Vila Operária? Quem foi o Mota? O que é Penaco, Purqueria e Bicame? Afinal, quem tocava o piano do Beco da Tecla?
Particularmente, o nome da Rua Jogo da Bola é o que mais gosto. Poético e lúdico, esse também é o nome de uma Rua no Morro da Conceição, no Rio de Janeiro, citada em vários contos de Machado de Assis. Também podemos andar pela Rua Jogo da Bola em Coimbra (Portugal) e em Tiradentes, Minas Gerais. Parodiando Caetano Veloso, digo que alguma coisa acontece em meu coração quando passo pela esquina da Rua Joga da Bola com a Avenida da Saudade. Lembro-me de minha infância, quando brincávamos livremente pelas ruas e podíamos usufruir de uma infinidade de jogos: queimada, rouba bandeira, pega-pega, pique-esconde, mãe-da-rua, rodar pião, tico-tico fuzilado, bola de gude e muito mais. Um tempo em que televisão e o computador não impediam que os adultos pudessem conversar calmamente, sentados nas portas e varandas de nossas casas. Um tempo em que as ruas não eram somente dos carros e motos velozes, mas um tempo em que a rua também era minha.
Certamente, o fechamento do centro histórico à circulação de veículos, daria à cidade e à população melhor qualidade de vida e preservação do patrimônio ali encerrado. O fato de veículos trafegarem constantemente por vias com estes calçamentos capistranos causa trepidações nas construções que podem deteriorá-las com o passar do tempo. O fato é que falta uma política séria de preservação do patrimônio material e cultural de Diamantina.
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