Autor: Fernando Brant, no Estado de Minas 28/04/2010
Passei o fim de semana em Brasília, para rever e homenagear amigos. Aquele céu azul de arrebentar que eu cantei junto com Toninho Horta estava lá. Mas o bom mesmo é saber que tenho pouso seguro e carinhoso por aquelas bandas. Meu gosto de abraçar pessoas combina muito com o ambiente brasiliense. Vera Brant que o diga, ela a verdadeira expressão da cidade e sua história. E é pensando nela e nas amizades que ela me proporciona que eu sigo nessa minha crônica viagem.
Pois ainda me espanto diante da grandiosidade e da beleza de Brasília. Certa noite, que me perdoem os muito religiosos, passando com algumas taças a mais de vinho diante da catedral, embasbacado diante do gestual humano chamando pelas alturas, por Deus, veio-me uma ideia e uma frase: “Ela só poderia ter sido criada por um ateu.”
Essas emoções me levam à minha infância distante, em 1955, na Diamantina que é minha, de meu pai, de Vera, de JK e de tantos sonhadores, profetas de utopias que se realizam. Na praça atrás da catedral havia um mundão de gente. Tudo é muito grande quando somos meninos. Minha família, todas as famílias estavam lá para assistir ao comício do candidato diamantinense à Presidência da República. Os discursos, óbvio, inflamavam a multidão. Mas como se tratava de um candidato da cidade – aquela beleza colonial que tem um povo de coração aberto para a lua, a música, o cantar e o namorar – a política tinha de se misturar com as canções.
Foi o primeiro showmício de minha vida. Enquanto os políticos se revezavam no palanque em frente à prefeitura, logo no prédio ao lado, da sacada, para dar molho artístico ao grande momento, o artista Caxangá cantava seus improvisos. O refrão era: “Eu vi um nego sentado no bueiro da usina, de chapéu de panamá, de gravata e de botina”. Aí ele passava a brincar com as pessoas da plateia, inventando casos, provocando; enfim, alegrando toda a gente. Ao fim de cada improviso, em que se concentrava em uma vítima escolhida ao acaso, todos riam e batiam palmas.
Era uma noite calma em minha cidade, apesar de tanta gente reunida na praça, no Centro. Aquele friozinho gostoso, aquelas ruas de pedras capistranas, a longa subida até a casa onde morávamos. Alguns meses depois – como esquecer esse acontecimento da infância? –, meu pai foi pela primeira vez ao Rio de Janeiro para assistir à posse de seu conterrâneo. Eleito, JK voltou várias vezes à nossa terrinha onde, dizem, só os sinos não bebem cachaça. Fui encontrá-lo muitos anos depois, no centro da mesma praça, voltando do exílio. Eu, Milton Nascimento e amigos o chamamos de presidente. Ele sorriu, gostou, e nos ouviu cantar o Beco do Mota.
Vejo Vera, vejo Brasília e me lembro do menino que fui, naquela noite, naquele comício em Diamantina.
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