Transcrevo abaixo o primeiro capítulo do livro "Minha vida de menina - o diário de Helena Morley". Muito mais do que um diário de garota de província do século XIX, o livro traça a um retrato vital e bem-humorado do dia-a-dia em Diamantina entre 1893 e 1895. Ao ler esse trecho fiquei imaginando como era viver nessa época. O contato com a natureza, a importância dos rios no cotidiano das pessoas e as dificuldades da família com a queda na extração dos diamantes. A cidade mudou, os hábitos também mudaram. Mas podemos refletir um pouco sobre a Diamantina atual. Essa diferença me faz questionar o futuro que estamos construindo para nossos filhos e netos. Ao andar pelas bandas do Rio Grande nos deparamos com um rio fétido, cheio de esgoto. Em pouco mais de cem anos transformamos recantos bucólicos em lugares feios e desagradáveis. Com certeza, Helena Morley, na verdade Alice Dayrell Caldeira Brant (foto), ficaria muito triste e desapontada ao ver o que foi feito com esse pequeno paraíso.
"Hoje foi nosso bom dia da semana.
Nas quintas-feiras mamãe nos acorda de madrugada, para arrumarmos a casa e irmos cedo para o Beco do Moinho. A gente desce pelo beco, que é muito estreito, e sai logo na ponte. É o melhor recanto de Diamantina e está sempre deserto. Nunca encontramos lá uma pessoa, e por isso mamãe escolheu o lugar.
Mamãe chama Emídio, da chácara, e põe na cabeça dele a bacia de roupas e um pão de sabão. Renato leva no carrinho as panelas e as coisas de comer, e vamos cedo. Mamãe e nós duas, eu e Luisinha, entramos debaixo da ponte para lavar a roupa. Emídio, o crioulo, vai procurar lenha. Renato vai pescar lambaris; nunca vi tanto como ali. Ele só tem tempo de pôr a isca, jogar o anzol e puxa logo um lambari ou bagre. Nhonhô põe o visgo e fica de longe à espera de passarinhos. Cai um, ele corre, limpa o pé do pobrezinho com azeite e mete na gaiola. Unta a vara de novo e daí a pouco já vem outro, um pintasilgo ou um curió.
Nós ficamos lavando roupa e botando para corar, enquanto mamãe faz o almoço de tutu de feijão com torresmo e arroz.
Depois de lavarmos a roupa e passar algum tempo do almoço, mamãe fica viginado o caminho para ver se vem alguém, e nós entramos no rio para tomar banho e lavar os cabelos.
Depois disso batemos as roupas na pedra, enxugamos e pomos nos galhos para secar. Agora é só procurar frutas no campo, ninhos de passarinho, casulos de borboletas e pedrinhas redondas para o jogo.
Na volta, Renato enche o carrinho de lenha, por cima das panelas, e Emídio também ainda traz um feixe de lenha em cima da bacia; a roupa fica dobradinha em baixo.
Que economia seria para mamãe, agora que a lavra não tem dado nem um diamantinho olho-de-mosquito, se pudéssemos ir à ponte todos os dias, pois Renato e Nhonhô vendem tudo que trazem, no mesmo dia. Ainda se pudéssemos ficar na lavra com meu pai, ela não precisa trabalhar tanto. Mas os nosso estudos atrapalham tanto a vida de mamãe, que eu morro de pena dela. O que vale é que Renato acaba os exames dele depois de amanhã e nós vamos para a Boa Vista, passar as férias."
Olá Fernando.
ResponderExcluirMuito obrigado pela sua intervenção na última edição do meu blog.
Seu endereço, agora, faz parte da página de rosto do terapia.
Um abraço.
Rubem.
terapiadecutuvelo.blogspot.com
Fernando, se você viu a Amostra do meu pai, deve ter reparado quatro filhos de Assis tomando banho no Rio Grande, o loiro sou eu. Bons tempos. Hoje o Rio Grande é esgoto.
ResponderExcluirAssis Horta
Assis,
ResponderExcluirVi a foto na exposição, mas não sabia foram tiradas no Rio Grande. Concluo, então, que a poluição é bem recente.
Infelizmente, hoje fiquei sabendo que já estão jogando esgoto no Córrego do Prata.
Grande abraço
Fernando
Jóia, muito boa iniciativa. Amo Diamantina e o passadiço é lindo.
ResponderExcluirOlá gostaria de saber em qual casa em que Helena morou e sua avó também! Li o livro e fiquei curiosa em saber. Se você puder me ajudar me falando o endereço atualmente! Obrigada!
ResponderExcluirInfelizmente não tenho esta informação. Mas pelo que li creio que ele morava na região da Rua da Saudade e a sua avó na região da Praça Doutor Prado. Vou tentar levantar essa informação e registro aqui. Inté+
ExcluirHelena Morley (pseudônimo de Alice Brant) foi a escritora que mais impressionou Georges Bernanos enquanto este esteve no Brasil. Além disso, Alceu Amoroso Lima, Edgar da Mata Machado, Geraldo da França Lima e Murilo Mendes foram alguns dos intelectuais brasileiros marcados pela passagem do escritor francês por aqui. A visita que ele recebeu de Stefan Zweig à véspera de este suicidar-se, sua revolta contra a mediocridade dos intelectuais e a ascensão do totalitarismo e sua amizade com pensadores brasileiros são alguns dos detalhes narrados por Sébastien Lapaque em “Sob o Sol do Exílio: Georges Bernanos no Brasil (1938-1945)”, obra que acaba de ser lançada pela É Realizações Editora, dando continuidade à Coleção Georges Bernanos.
ResponderExcluirMatérias na Folha de S. Paulo a propósito do lançamento do livro:
“Descendentes de Bernanos estão espalhados pelo Brasil”: http://goo.gl/ymS4lL
“Sob o sol de Barbacena”: http://goo.gl/O8iFve
Para ler algumas páginas de “Sob o Sol do Exílio”: http://goo.gl/6hAEOM
Confira também:
Diálogos das Carmelitas: http://goo.gl/Yy3ir3
Joana, Relapsa e Santa: http://goo.gl/CAzTTk
Um Sonho Ruim: http://goo.gl/Kd091z
Diário de um Pároco de Aldeia: http://goo.gl/ISErLc
Sob o Sol de Satã: http://goo.gl/qo18Uu
Nova História de Mouchette: http://goo.gl/BjXsgm
ANDRÉ GOMES QUIRINO
mkt1@erealizacoes.com.br
(11) 5572-5363 r. 230