terça-feira, 28 de junho de 2011

Na mochila, sono, cansaço e sonhos

Fonte: Leida Reis - Do Hoje em Dia - 27/06/2011

DIAMANTINA - As professoras da Escola Municipal João Antunes de Oliveira, em Diamantina, no Vale do Jequitinhonha - Vanderne Tosta Gonçalves, de Português, e Elaine de Souza Barros, de Inglês e Literatura -, lamentam o desempenho dos alunos que chegam do Covão, após caminhada de duas horas, acrescida de outras duas no ônibus escolar. "Quem se levanta antes das 3 horas e chega em casa quase 5 horas da tarde que estímulo tem para fazer um trabalho de escola?", pergunta Vanderne, enquanto Elaine frisa que o desempenho é inferior ao dos colegas que moram na cidade.

O diretor da escola, Antônio Edésio de Souza, também admite as dificuldades de aprendizagem destes alunos. "Eles ficam sonolentos. Temos conhecimento da distância, sabemos que é um dificultador", declara. "Mas há aqueles que sobressaem", ressalta.
Alguns estudantes chegam em casa às 14h30, mas os que moram nas propriedades rurais mais distantes do Covão, a comunidade quilombola diamantinense, só descansam após as 16 horas. "Não dá para fazer quase nada, chego cansado e tenho que dormir cedo. Os professores nem cobram muito dever de casa da gente", afirma Wagner Santos Ferreira, de 14 anos, que está no 8º ano.

Nilcéia Maria de Souza, de 18 anos, está no 9º ano e acorda às 2h45 para caminhar por uma hora e 45 minutos. "Acordar cedo, eu já me acostumei. Mas caminhar é mais difícil. O problema é que tem uma ponte para passar no caminho. A ponte caiu nas últimas chuvas, não arrumaram".

A amiga Valdemis Cristina, de 13 anos, está no 7º ano, acorda às 3h15 e embarca no escolar às 4h30. Quer ser professora e não reclama do sacrifício diário, mas também não esconde o cansaço ao chegar à sala de aula.

Além do estímulo dos pais, que recebem o Bolsa Família, crianças e adolescentes demonstram consciência da necessidade do estudo. "Se eu não estudar, vou fazer serviço de pedreiro. Quero emprego melhor. Quero ser jogador de futebol", argumenta Vanildo da Luz Santos, de 12 anos.

Eli Jesus Correia, de 15 anos, cursa o 1º ano do Ensino Médio na Escola Estadual Gabriela Neves. Acorda às 3h30 e ainda ajuda na lavoura quando, às 15 horas, chega em casa. Apesar do esforço, vem dela a visão positiva da epopeia: "É bom que a gente passeia".
O secretário de Educação de Diamantina, Sérgio Luiz Nascimento, admite que este é o local mais crítico da zona rural da cidade e não vê solução para o problema. Ele conta que o Ministério Público já chegou a acionar o município para arrumar a estrada até a comunidade, no local onde funciona uma escola municipal de Ensino Fundamental I.

"Levamos os promotores lá e mostramos que não tinha jeito. Há trechos muito íngremes, onde um ônibus não consegue subir por causa das pedras. Acabaram concordando". O MP confirmou a história.

O secretário afirmou que há planos de ampliar as salas da escola municipal local, apesar de a relação custo-benefício ser negativa, uma vez que são poucos alunos e a demanda por professores seria grande para cada disciplina. Questionado sobre a ausência de cinto de segurança no ônibus, o secretário assegura que todos têm laudo do Detran, mas não consegue explicar o porquê da falta do equipamento. "Nem todos os carros são adaptados para o transporte escolar".

O município, com área total de 3.780 quilômetros quadrados, tem oito veículos escolares e contrata outros 24 para percorrer diariamente 3.500 quilômetros.

O motorista do ônibus que atende a comunidade de Covão, Wanderson de Souza Leite, de 35 anos, sempre vence a licitação da prefeitura para fazer o transporte. Tem uma relação afetiva com a comunidade e, além das crianças, leva recados de parentes da cidade para os da zona rural, e vice-versa. Eventualmente, também carrega remédios. Sérgio Nascimento afirma que pessoas da comunidade veem no escolar o meio de comunicação com a cidade. "Não querem ficar isolados", afirma.

Um comentário:

  1. Que coisa hein, ontem o Secretário Munic. de Educação foi ao programa Show da Tarde da Gilmara Paixão e deu declarações de que a educação no nosso munícipio anda bem... Falou da merenda, dos salários dos professores, das creches, mas não falou do transporte escolar. Mas pelo menos ele tem coragem de botar a cara na imprensa e dar declarações, enquanto os outros secretários não estão nem aí para dar satisfações ao público.

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