Fonte Estado de Minas – 04/09/2011- Ana Clara Brant
O cineasta Jeferson De prepara o roteiro de novo filme sobre Chica da Silva, personagem mítica da história do Brasil. O furacão sexual dará lugar à mulher poderosa e inteligente
Francisca é considerada uma das mulheres mais poderosas das Américas no fim do século 18. Casou-se, não oficialmente, com o contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira e teve 13 filhos com ele. Os rapazes foram estudar em Portugal, as meninas se educaram em conventos de Minas Gerais. Em vez de furacão sexual, como muitos a retrataram, ficou notória por sua inteligência. Assim será a Chica da Silva do longa-metragem Francisca, do cineasta e roteirista Jeferson De (de Bróder). Em fase de produção, o filme deverá ser rodado no ano que vem e pode virar série de TV.
Trinta e cinco anos depois do lançamento do longa que consagrou Zezé Motta, Jeferson promete um contraponto ao filme de Cacá Diegues. O jovem cineasta pretende contar a verdadeira história da escrava de Diamantina. "Quero fazer versão absolutamente nova. Esse lado que conhecemos, de que ela era a rainha do sexo, é bem diferente da mulher que vou mostrar. Será a trajetória da Oprah Winfrey do século 18, a mulher mais poderosa das Américas. O cinema e a sociedade sempre viram a negra só pelo aspecto genital. Nem seria sexual, eu diria. Negam que ela possa agir com lógica e com razão. Esse é um dos ineditismos do nosso filme. Vamos tratar a negra com todo o respeito que ela merece", enfatiza o diretor.
Produzido pela Lereby, de Daniel Filho, o filme está em fase de roteirização. A história de amor entre Chica e João Fernandes será o pano de fundo, mas a trama abordará o período de muita efervescência em Minas, no Brasil e no mundo. "A segunda metade do século 18 é um momento mágico. O Brasil deixa de ser apenas litoral e começa a se interiorizar, com a descoberta das Minas Gerais. Sempre me interessei por histórias dos anos 1700, por figuras como Aleijadinho e o compositor Lobo de Mesquita. Tudo isso estará presente na produção. Será um grande retrato do Brasil por meio de uma história de amor", adianta.
Jeferson garante: não há nomes confirmados no elenco, muito menos o da atriz dona do papel que já coube a Zezé Motta no cinema e a Taís Araújo, em 1996, na novela da extinta TV Manchete. Aliás, Taís chegou a discutir o longa-metragem com o diretor paulista. Como engravidou, acabou se afastando do projeto. "Nem ouso especular quem viverá a Chica. Certamente será um elenco forte, carismático. Não adianta ter roteiro maravilhoso se o ator não der conta do recado. Não sinto muito a pressão de comparar com a Zezé Motta, que fez brilhantemente a personagem. O momento é outro", frisa.
Filmar essa história era um dos projetos engavetados do cineasta. O interesse aumentou quando ele leu o livro Chica da Silva e o contratador dos diamantes - O outro lado do mito, da historiadora mineira Júnia Furtado. A pesquisa revela imagem oposta à da devassa retratada no filme de Cacá Diegues e na novela.
"No livro da Júnia e em outras publicações e pesquisas a gente vê uma Chica bem diferente daquela a que estamos acostumados: a mulher que teve uma relação de 17 anos com o homem mais poderoso da corte. João Fernandes era carioca, apesar de muita gente considerá-lo português porque estudou por lá. Chica ganhou a alforria assim que engravidou dele, que nem era casado em Portugal e nem saiu fugido de Diamantina, como sempre se falou. Detalhes novos foram descobertos e estarão presentes no meu filme", assegura Jeferson.
O cineasta visitou Coimbra, em Portugal, onde o contratador estudou e morou, além de cidades históricas como Diamantina, Tiradentes, Ouro Preto e Mariana, que certamente servirão de locação. "Mostrar Minas Gerais é uma de nossas intenções", ressalta. A ideia é usar o que não for aproveitado no filme de 90 minutos em uma minissérie de cinco capítulos para a TV. "No momento, minha preocupação e do Daniel Filho é finalizar o roteiro. Temos uma grande história nas mãos e vamos fazer jus a ela", conclui Jeferson.
Com a bênção de Cacá
Durante três meses - incluindo Natal, réveillon e carnaval de 1975/1976 -, equipes de filmagem invadiram Diamantina para rodar Xica da Silva. O elenco reunia Zezé Motta e Walmor Chagas nos papéis principais, além de Altair Lima, Elke Maravilha, Stephan Nercessian, Rodolfo Arena e José Wilker. Com a trilha sonora inesquecível de Jorge Ben Jor, a produção é considerada pelo diretor e roteirista Cacá Diegues uma das mais emblemáticas de sua carreira e do cinema nacional.
Recém-restaurado pela Cinemateca Brasileira, o longa é considerado o primeiro filme da distribuidora da Embrafilme a obter bilheteria consagradora. Atraiu 3,2 milhões de espectadores. "Tenho muito orgulho desse trabalho, feito no meio da ditadura militar. É um hino à liberdade e ainda revelou uma atriz maravilhosa, a Zezé Motta", comenta Cacá Diegues.
O cineasta revela que foi procurado por Jeferson De, pois trabalhou como coprodutor em Bróder, para discutir a nova versão. Porém, preferiu não participar para dar mais liberdade ao jovem colega. "Jeferson é um dos melhores cineastas do país na atualidade. É o filme dele, a visão dele, e certamente será bem diferente do meu. Um dos grandes méritos de Xica da Silva foi despertar grande curiosidade sobre aquela mulher. Na época das filmagens, não tínhamos muitos dados, documentação ou detalhes sobre ela. Era muito mais a personagem mítica, da fantasia, do que histórica. Certamente, o filme do Jeferson vai contar com tudo isso. Será bem diferente do meu", acredita.
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